quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Bolsonaro só pode perder para si mesmo

As coisas não poderiam estar andando melhor para o presidente Jair Bolsonaro: a oposição continua paralisada; devido aos caixas vazios e à violência galopante, os governadores estaduais estão dispostos a participar de projetos importantes como a reforma da Previdência; a Câmara dos Deputados e o Senado deverão eleger presidentes simpáticos ao governo; as redes sociais são dominadas por grupos favoráveis ao presidente; e a imprensa crítica ainda não sabe como lidar com a nova liderança em Brasília.

Mas o novo governo tem um pequeno problema: falta-lhe um programa. E também um grupo de ministros que pudesse endossá-lo de forma unânime. É uma pena que Bolsonaro não tenha participado de debates com outros candidatos durante a campanha eleitoral. Ele poderia ter copiado algumas ideias sobre combate à pobreza, segurança pública, proteção ambiental e economia sustentável. Na falta de tudo isso, resta a esperança de que as estrelas de sua trupe resolvam as paradas sozinhas. E não se neutralizem mutuamente.

Há o caso do ministro da Justiça, Sergio Moro, por exemplo. Sua nomeação foi uma jogada inteligente de Bolsonaro, que a oposição – ou seja, o PT – não pode contestar. Preso numa retórica concentrada unicamente na libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT deixou a luta contra a corrupção transbordante para Bolsonaro e Moro. Para salvar Lula, o PT rejeita tanto as delações premiadas quanto a prisão em segunda instância. No campo do combate à corrupção, que já foi decisivo durante as eleições, em outubro, Moro reina imbatível.

Mas Moro também representa um perigo para Bolsonaro. Muitos dos apoiadores do presidente esperavam uma liberação geral da compra de armas. Em vez disso, Moro incluiu uma série de critérios que dificultam a obtenção de armas no decreto assinado por Bolsonaro nesta terça-feira. Além disso, o ministro contradisse o presidente, que anunciou via redes sociais que logo flexibilizaria também o porte de armas. Segundo disse Moro numa entrevista na TV pouco depois, não há planos nesse sentido.

A segunda estrela na equipe de Bolsonaro é o guru econômico Paulo Guedes. Como todos sabem, Bolsonaro não entende nada de economia. E, como todos também sabem, Guedes não entende nada de política.

Depois das contradições mútuas constantes nos primeiros dias de mandato, a ordem, por enquanto, é de silêncio coletivo. Nada deve colocar em risco a extraordinária mudança acalentada pelo governo – uma ampla reforma previdenciária. Mas os militares – que, afinal de contas, são um dos pilares do governo – dificilmente concordarão com grandes cortes em suas pensões. Se Bolsonaro ceder a eles, sua reforma perderá credibilidade. E deverá aborrecer seriamente Guedes.

Este, por sua vez, parece estar levando a melhor sobre os antiglobalistas, liderados pelo chanceler Ernesto Araújo. A aparentemente decidida permanência do Brasil no Acordo do Clima de Paris é boa para as exportações brasileiras e útil para o ambicionado acordo comercial com a União Europeia.

A presença anunciada de Bolsonaro no Fórum Econômico Mundial na cidade suíça de Davos, daqui a uma semana, também é um sinal de que Guedes – que aposta nos mercados multilaterais – se impôs sobre Araújo, que quer deixar o Brasil de fora do multilateralismo.

O resto da trupe está preocupado consigo mesmo. Há confusão no Ministério da Educação sobre livros escolares incorretos e controvérsias por parte da ministra da Família sobre quais são as cores corretas do vestuário de crianças. E muita paranoia sobre supostos comunistas.

Nada disso parece muito profissional. Até porque há muito para fazer em relação a problemas sociais urgentes. Assim, no momento, as resistências internas do governo parecem ser mais fortes do que as externas, o que significa que Bolsonaro e sua trupe só podem tropeçar em si mesmos – algo que eles até podem conseguir.
Thomas Milz

Nenhum comentário:

Postar um comentário