Sobretudo, quando há um quadro de incerteza somado aos jogos estratégicos que todo eleitor costuma a fazer e que, no Brasil, dá-se o nome de “voto útil”.
A lógica do “voto útil” é simples: em tese, todo eleitor tem um candidato de preferência; aquele por quem sente maior empatia e que, com tranquilidade, cederia seu apoio. Este seria o que podemos chamar de um voto afirmativo. O eleitor afirma e reafirma sua preferência, sem qualquer mediação, interferência ou questão de segunda ordem. Ele faz a sua melhor escolha; uma espécie de primeiro melhor.
Acontece que no mundo moderno, competitivo e polarizado, nada é assim tão simples e protegido de contaminação. Num ambiente de conflito, o eleitor se dá também ao direito de definir o que, para ele, seria o “pior resultado”, o mau maior. O candidato dentre todos que “mais” rejeita, que descarta decisiva e definitivamente.
O sentimento do que “seria o pior” e a definição de seu nome, nessa condição, é um sentimento e um fenômeno tão forte que consegue se impor à preferência afirmativa, ao candidato que o sujeito entenderia como o melhor. É o “ruim”, portanto, que se impõe, na função de preferências e na lógica da escolha eleitoral ao “bom”. O mal menor em oposição ao bem.
Nestes tempos, o eleitor vota antes de tudo contra e não a favor. Vota-se, principalmente, para derrotar o que se reconhece como “maior perigo”, o mais pernicioso cenário, de acordo com os valores, conceitos e preconceitos do eleitor. E para isto procura-se, no universo de candidaturas, aquela que mais condições reúne para papel insólito: antes de vencer, derrotar o inimigo.
Mesmo que isto signifique abrir mão da escolha afirmativa, do entendido como melhor, em favor daquilo a que não se deixa de ter também restrições. Às vezes, fortes restrições, até. Um caso clássico foi, em 1990 na eleição ao governo paulista: contra Paulo Maluf, os eleitores de esquerda votaram em Luís Antônio Fleury Filho, candidato de Orestes Quércia.
Ainda assim, este foi um caso de segundo turno. Às vezes, essa situação é antecipada e já no primeiro turno, os eleitores se veem forçados a adiantar esse tipo de escolha. Em 1998, por exemplo, Mário Covas derrotou (novamente) Paulo Salim Maluf, na disputa ao governo do estado, não porque os eleitores aprovassem Covas, mas porque, acima de tudo, mais uma vez, rejeitavam Maluf. Covas, assim foi eleito. Ou antes, Maluf foi derrotado.
O “melhor”, portanto, é sempre uma questão relativa. É claro que nem todos pensam assim. Mas, basta que uma parcela do eleitorado raciocine desse modo e desloque sua preferência de modo a mudar o resultado de uma eleição. Este quadro se repete nesta eleição de 2018, no país. Todavia, de um modo ainda mais complexo, nesta, a mais complexa das eleições nacionais.
Ao que se percebe, há grupos de eleitores que definiram, cada um ao seu modo, “o mal maior”. A novidade é que desta vez, não é apenas um mal; mas pelo menos dois. E há três grupos que se movimentam assim, há vinte e tantos dias da eleição.
De um lado, aqueles que não admitem o PT e entendem a vitória do partido como um grande mal para o país. De outro, aqueles que compreendem Jair Bolsonaro como o maior desastre. Haveria ainda um terceiro, que não consegue assimilar nem por hipótese nenhum dos dois personagens governando o Brasil pelos próximos 4 anos, pelo menos.
Voltamos às pesquisas: eles indicam, neste momento, que a maior possibilidade é que Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, do PT, disputem o segundo turno da eleição. Cada um, cuja vitória é considerada, ao seu modo e por público distinto, como maior mal em relação ao outro. É nesse sentido que surgem os apelos pelo voto estratégico, ou pelo “voto útil” — “útil” para derrotar o desafeto.
De um lado, Ciro Gomes, cuja dinâmica política o desfavorece, explora o fato de as pesquisas apontarem que venceria com maior facilidade a Jair Bolsonaro, o “mal maior” definido pelo eleitorado de boa parte do centro e da esquerda. Nesse sentido, tenta desqualificar a candidatura de Haddad, em si, pelos problemas em torno do PT e pelos riscos e dificuldades que Haddad talvez venha a ter para vencer Bolsonaro.
De outro lado, Geraldo Alckmin. Paralisado abaixo dos 10% das preferências, limitado por seus vínculos com o governo Temer, com o Centrão e com os problemas éticos de membros do seu partido, mas com convicção de que seria o candidato com maior facilidade para vencer o PT, mal maior para a maioria dos eleitores de Direita e do Centro. Neste caso, até mesmo Marina Silva, que se descapitaliza a olhos vistos desde a entrada de Haddad no processo, pode surgir como alternativa às dificuldades de Alckmin.
O “voto útil” traz consequências: ao votar contra, o eleitor adere apenas circunstancialmente ao eleito. Não aderiu a ele, apenas o engoliu como “mal menor”; não há cumplicidade, menos ainda apoio. O eleito começa o mandato com legitimidade diante das urnas, mas com um déficit real em relação à maioria do eleitorado que o elegeu, apesar de seus defeitos e em virtude do perigo que significa o outro. O Congresso Nacional, é claro, perceberá isso, sabendo que a tradicional lua-de-mel do presidente com o eleitor durará bem menos, posto que, desta vez, o casamento foi de conveniência.Carlos Melo
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