quarta-feira, 19 de setembro de 2018

De marcha a ré: assim caminha a humanidade

Fiquei apenas sete meses no primeiro governo Lula, como secretária executiva do Ministério do Trabalho. Tempo bastante para constatar a conivência do poder público, naquele governo e em anteriores, com a sonegação de direitos trabalhistas e a dilapidação do erário, por meio da chamada “terceirização de serviços”. Simples assim: figurões da República mandam contratar funcionários, a torto e a direito, das menores às mais altas remunerações. No fim do mês vem a conta: um mero recibo pelo qual tal empresa, sem nada especificar, quer que o órgão mande pagar uma quantia exorbitante. Isso mesmo: não há comprovação de serviço prestado (nada de lista de presença, de indicação de doentes ou afastados, tampouco onde estariam lotados esses funcionários.) À época, no gabinete de um antigo e famoso titular da pasta, fora de Brasília, ainda “prestavam serviços” cerca de 80 (!) pessoas...


Em um julgado no STF, em 2017, pôde-se ter uma ideia da dimensão que o câncer já adquirira: havia mais de 50 mil processos na Justiça em que se postulavam direitos contra prestadoras de serviços que faliram ou sumiram do mapa, dando calote no trabalhador terceirizado no serviço público.

Agora, o STF liberou geral. Terceirização ampla, geral e irrestrita. O que já era tolerado no setor público, e de costas para a moralidade administrativa, vale agora, também, no setor privado. Já que alguém anda deitando e rolando, locupletemo-nos todos, diria o Barão de Itararé.

Nesse “novo mundo” que se anuncia, entre tambores e fanfarras, em que máquinas e trabalhadores se mesclam sem que se saiba mais a fronteira entre o que é capital fixo e o que é capital variável, nada melhor que condenar os que têm de fornecer sua força de trabalho, se quiserem sobreviver e criar suas famílias, sem qualquer garantia, sem qualquer direito, sem nenhum respeito por suas necessidades. E como sua remuneração é aviltada e a aposentadoria se torna uma ficção, como ter quem possa consumir as milhares de geringonças, de obsolescência induzida, sem as quais pensamos não mais poder viver? Por que não voltar logo à escravidão? Porque na escravidão o proprietário do escravo precisa, no mínimo, mantê-lo vivo, se quiser continuar a obter os frutos de sua labuta. Ouvi de uma neta carinhosa, sim, mas já com a cabeça feita, que preciso comprar um carro novo, porque ela já anda no nosso veículo, adquirido em 2008, desde que era pequena. Outro dia, indagou-me: “Você não se cansa deste carro?”. Nossa pretensa lata velha ainda se presta muito bem a sua precípua função de levar a mim e a meu marido para ali e acolá, sem problema algum. Bom, se é assim, melhor seria mesmo trocarmos de empregado a cada momento em que o que nos está servindo começar a inviabilizar nossa vontade de pagar menos e ostentar mais.

Para isso, qualquer forma de precarização viria a calhar: usa-se o trabalhador até que o caldo de laranja que ele nos proporciona se acabe. E depois? Ora, depois, atira-se a mamucha ao lixo.

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