O fato é que o sistema político tanto quanto o esquema da Confederação Brasileira de Futebol entraram quase que simultaneamente em colapso. A autoimagem do país foi afetada dentro e fora de campo. Hoje, não falta quem pretenda se mudar destas paragens; Lisboa, por exemplo, virou coqueluche dos brasileiros mais ou menos endinheirados.
No meio do caminho, acreditou-se que substituir o técnico bastava. Vieram Dunga e Temer — embora Temer prefira ser comparado a Tite, nos resultados apresentados e no sentimento reinante, na antipatia da torcida e do eleitorado, está mais identificado a Dunga.
O país ainda amarga o fundo do poço. Não bastou trocar o treinador, o sistema continuou a apresentar os mesmos defeitos, com pouquíssimas alterações que não justificariam o esforço do apelo ao tapetão do impeachment. A relação custo/benefício foi baixa, talvez negativa. Revelou-se que o buraco era muito mais fundo que a indesmentível responsabilidade do PT. O sistema está inteiramente comprometido.
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A crise dizimou a liderança política ou ela já se liquidara com o decorrer dos anos e o prolongamento de velhas práticas? Provavelmente, os dois. Transitório ou não — somente a história o dirá —, o vazio se estabeleceu e isto se reflete no cardápio eleitoral insosso. Afeta autoimagem do brasileiro. A lembrança do mar de camisas amarelas da seleção, num cenário de patos infláveis e discursos moralistas, gera hoje certo constrangimento. .
Além disso, é necessário considerar que no mundo sem fronteiras da hiperconectividade e da alta tecnologia, nada parece mais deslocado da modernidade que um político médio nacional. Ao mesmo tempo em que nada no Brasil parece mais integrado a esse ambiente que um jogador brasileiro em atividade na Europa, não importa o país. A política ficou velha.
Não admira que tanta gente afirme não ter candidato. Analistas das estatísticas eleitorais dirão que ainda é cedo para definição. E de fato é, só bem mais adiante a maioria do eleitorado se decidirá. Ainda assim, é evidente o desconforto.
Mais que de outras vezes, a eleição será “contra”. Não a favor de fulano ou de sicrano, mas contra beltrano, entendido como mal maior. O mal maior será o fantasma contando em proso nos próximos meses. Será ele que moverá o eleitor. O problema é que esse mal mora sempre do outro lado, sendo vários lados. A eleição se transforma na luta de todos contra todos.
Levará tempo para mudar. Um país não é um time de futebol. É bem mais difícil formar elencos; quase nunca os melhores estão à disposição. Desconsideram que o desastre coletivo os afeta. Tampouco, cabe treinar um país. O jogo da política se dá de imediato, online, just time,na vida real. Ademais, na política destes dias não há craques. Não há para quem tocar a bola. Não há Garrincha nem Romário que, sozinhos, possam resolver o campeonato.
O desalento com o futebol é muito mais simples que o desalento com a política. Já na primeira vitória, quem sabe no primeiro lance de ataque, ele se dissipará. Brasileiro não resiste a um jogo bem jogado. O país não se contém, gritará “GOL”. Na política, as coisa não são assim: a crise de confiança é mais perene e a história não tem a mesma capacidade de produzir líderes que o futebol tem em produzir craques. São ídolos feitos de barro diferente.
De modo que há que se conformar: a vida não é uma partida de futebol. Neste momento, ninguém no escrete político nacional possui a categoria de Marcelo, o poder de cobertura de Miranda, o senso de colocação de Marquinhos, a segurança de Casemiro, a versatilidade de Paulino, o fôlego de Coutinho. Na política brasileira, Jesus ainda não nasceu. E nem há Jesus que dê jeito. Não há Tite, nem há Neymar. O que se tem é tudo o que se tem. O que há para hoje. Não dá para abandonar o campo, nem se esconder na arquibancada.
Carlos Melo
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