Vejam como surge:
Deus é brasileiro...
Deus é brasileiro!
Deus é brasileiro?
Poesia ou reza...
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Fui levado pela vida a uma saudável descrença — um ateísmo brasileiro que acredita “um pouco”. O quanto basta, diz-me alguém, para se ter a imensa fé de um grão de mostarda.
Não presumo mais um além povoado de anjos, mas convivi com eles na forma dos meus filhos e netos — e na presença das pessoas que amo. Posso não crer mais em anjos de procissão ou de carnaval, mas jamais deixei de topar com um anjo da guarda, graças (entre muitas evidências) a um filme de Frank Capra (“A felicidade não se compra”), visto quando eu tinha meus 13 anos.
O anjo guardião da minha infância e adolescência atribuladas pelas mudanças de uma Maceió, uma Niterói, uma Juiz de Fora, uma São João Nepomuceno e uma Copacabana “Princesinha do Mar” (na voz de Dick Farney) parte da “Cidade Maravilhosa” que foi o Rio de Janeiro.
Essas cidades iam e vinham. O resultado tem sido uma vida vivida mais pelo presente do que pelo passado numa só rua, colégio, bairro e, eis o essencial no Brasil, turma.
Tenho uma permanente sensação de estrangeirismo por ser um canhoto de Niterói, singularidades agravadas pelo choque cultural harvardiano nos anos 60, pelas temporadas nos Estados Unidos, sem esquecer os interlúdios parisienses e na Cambridge que os ingleses dizem ser a verdadeira.
Por fim, mas não por último, há a vida motivada pelo permanente aprendizado da antropologia social dos anthtropological blues, ouvidos por meio do requerimento paradoxal de viver não apenas entre os nativos, mas com eles. Por causa da contradição em termos que é o observar-e-participar, verifico, nesse apanhado intrometido do por onde andei (pois meu objetivo apenas era falar da greve dos caminhoneiros e, como todo mundo, falar mal do governo) — devo igualmente incluir os quase dois anos nos quais fui um intrusivo hóspede dos povos tribais gavião e apinayé. Tempos de uma vida paralela, na qual eu fui uma simples e dolorosa consciência individual que tudo anotava.
Em todos esses lugares, vivi os ritos de passagem que os estrangeiros merecem: levei trote e fui apupado porque era sempre o “de fora”. Nos Estados Unidos, passei de “Matta” a “DaMatta”. Um sobrenome mais plausível, caso escolhesse ser médico porque, como me dizia um amado Tio Mário, ninguém iria querer ser socorrido por um “Doutor Mata!”.
Ganhei também, em ritual solene, nomes de prestígio entre os chamados “índios”. Se, como ainda sabem alguns antropólogos, o nome tem muito que ver com a alma e a pessoa, eu (aos 81) ainda não sei bem quem sou!
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Jamais duvidei de que Deus era brasileiro até os anos 60. Tanto, que até duas décadas depois, eu só usei a interrogação diante do autoritarismo fascistoide do regime militar quando fui depor num daqueles tribunais como testemunha de defesa. Ali, como nestes nossos tristes tempos, tenho interrogado: “Meu Deus! — Deus é mesmo brasileiro?”
Nas crises políticas e nas greves rotineiras que se repetiam nos anos 60 e 70, eu ficava entre a inocente assertiva etnocêntrica de que Deus, apesar de tudo, era mesmo brasileiro; mas oscilava um pouco para as reticências indicativas de um Deus um tanto duvidoso de sua nacionalidade.
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PS: Estou consternado pela morte de Alberto Dines, jornalista consciente do seu papel e autor de um livro realmente importante sobre Stefan Zweig, um grande escritor europeu que terminou sua vida no Brasil. Sobre Philip Roth, perdi um mestre da raríssima arte de estranhar sua própria sociedade e um companheiro de reclamações.
Roberto DaMatta
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