Mauro Pimentel (AFP) |
Resumo da ópera: teve tentativa de invasão, frustração e muita desorganização. Na Copa de 2014, a Granja Comary já havia reproduzido um retrato fiel da desigualdade social no Brasil. Boa parte dos treinos era aberta a torcedores, porém, somente àqueles que moram no condomínio fechado vizinho ao complexo e a seus convidados VIPs. Condôminos resolveram lucrar em cima do privilégio e passaram a cobrar por convites. Ter o nome na lista custava entre 50 e 100 reais. Os treinos “abertos” serviram só para reforçar benesses dos ricos e tornar a seleção ainda mais inacessível aos pobres.
A Copa “padrão FIFA” tinha ingressos proibitivos para quem depende de salário mínimo padrão Brasil. Houve casos de abastados que torraram até 5.000 reais pelo direito de assistir à humilhante eliminação diante da Alemanha na semifinal. O encarecimento virou regra pós-Copa. Estádios se converteram em espaços elitizados e os clubes, na esteira das novas arenas, inflacionaram a arquibancada, chancelados pela política de preços da CBF. Os jogos do Brasil em casa pelas Eliminatórias foram um acinte ao bom senso num cenário de crise econômica. Em Porto Alegre, contra o Equador, as entradas custaram, em média, 214 reais. Mais de 20.000 lugares na Arena do Grêmio ficaram vazios. Contra o Paraguai, na Arena Corinthians, que confirmou a classificação antecipada para o Mundial, o preço dos ingressos variou entre 100 e 1.000 reais. Também em São Paulo, a partida contra o Chile, realizada do Allianz Parque, alcançou renda superior a 15 milhões de reais, um recorde nacional. O bilhete mais barato, desconsiderando a meia-entrada, saía por 250 reais.
Quantos brasileiros podem se dar ao luxo de pagar 250 reais para ver um jogo de futebol? Talvez seja pouco para aquele 1% da população que concentra uma enorme fatia das riquezas, mas representa quase 1/3 do rendimento mensal de mais da metade dos trabalhadores do país. A CBF, que fatura caminhões de dólares por ano, não teve sensibilidade para compreender que um treino aberto em Teresópolis é muito pouco para um time que diz representar mais de 200 milhões de torcedores. Depois do fracasso na última Copa, a confederação sequer moveu esforços para reaproximar a seleção de seu povo. Preferiu seguir caminho inverso ao afastá-la de quem não tem dinheiro sobrando.
Um quadro ainda mais grave se levarmos em conta que, dos 23 jogadores convocados para a Copa, apenas três (Cássio, Fágner e Geromel) atuam no Brasil. Nos acostumamos a ver a seleção e nossos talentos pela TV. Interesses de patrocinadores e acordos comerciais sempre falam mais alto. Os dois únicos amistosos antes da Copa, contra Áustria e Croácia, serão promovidos no exterior por intermédio da Pitch International, empresa investigada pela Justiça americana no escândalo de corrupção da FIFA. Ao contrário dos torcedores comuns, representantes e convidados de patrocinadores da CBF tiveram livre acesso às atividades da seleção na Granja Comary.
A comissão técnica chegou a cogitar um jogo de despedida no Brasil, mas a cúpula da confederação não encontrou brecha na agenda para viabilizar o desejo de Tite. Aquele clima de oba-oba inflado em 2014, de fato, é totalmente dispensável. Mas o torcedor brasileiro, carente de ídolos e violentado pela elitização de sua própria seleção, merecia, no mínimo, uma despedida com ingressos a preços populares e estádio cheio – de preferência, o Maracanã, pelo simbolismo. Ou, pelo menos, um treino de verdade, portões abertos, como fez a Argentina ao receber 30.000 torcedores no estádio do Huracán antes de enfrentar o Haiti na mítica Bombonera. Dirigentes que mandam em nosso futebol parecem habitar outro planeta, incapazes de reconhecer o valor de quem se dispõe a enfrentar fila e pegar senha sonhando resgatar, em frações de um minuto, o vínculo perdido com estrelas tão distantes.
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