Quem viveu o meu tempo deve lembrar. Em 1981, o último dos generais presidentes perdeu a credibilidade com o atentado do Riocentro e a saúde com um enfarte. Um ano depois, ele perdeu o controle da economia, com a quebra do país. Em 1984, o general João Baptista Figueiredo perdeu o controle da rua com a campanha das Diretas. Seu sistema nervoso explodiu, e ele tentou criar crises institucionais, disse coisas que não faziam nexo e acabou indo embora do palácio por uma porta lateral, pedindo para ser esquecido. Teve tanto êxito nisso, que essas reminiscências parecem conversa de defunto.
Eu governava Minas, percebi que a campanha das Diretas naufragaria, e disso resultaria minha eleição, pelo sistema indireto criado para perpetuar o poder dos interesses que apoiavam a ditadura. Passei todo o tempo da campanha com o pé no freio. Nunca usei informações nem dei passos que agravariam a crise. Tirei as bandeiras vermelhas dos comícios. Acabei com o regime sem gritar “abaixo a ditadura”.
Digo isso porque a situação de Michel Temer ficou parecida com a de Figueiredo. Seus gestos e sua calma beduína não se assemelham aos do general cavalariano, mas seu palácio lembra o dele em 1984, o de Vargas em 1954, o de João Goulart em 1964 e o de Costa e Silva em 1968. Tudo o que podia dar errado, errado dava. E se nada de errado podia acontecer, o presidente e seus conselheiros criaram novas encrencas.
Temer teve aquela conversa desastrosa com Joesley Batista. Quando começou o movimento dos caminhoneiros e das transportadoras, foi para uma cerimônia banal no Rio. Lá atrás, Gregório Fortunato, chefe dos capangas de Getúlio, mandou matar Carlos Lacerda. Dezenove dias depois, matou-se Vargas. Em março de 1964, contra minha opinião, Jango foi à reunião com os sargentos no Automóvel Club, e seis dias depois estava asilado no Uruguai. Em julho de 1968, Costa e Silva repeliu o estado de sítio, que duraria, no máximo, quatro meses. Em dezembro, baixou o AI-5, que durou dez anos. Como não falo mal de senhoras, passo longe de Dilma Rousseff.
Nessa estranha crise dos caminhoneiros, os colaboradores de Temer deram entrevistas desconexas e inúteis. Nem ceder ele soube. Como diria o divertido jornalista Nertan Macedo, com quem almocei outro dia, o governo foi para a televisão com a imponência de senadores romanos e a inteligência de Mike Tyson.
Quem não gosta de Temer tem todos os motivos para se regozijar, mas não deve se esquecer de que o futuro está no próximo passo, e só nele. Em outubro será escolhido um novo presidente. Muita gente dirá que as escolhas disponíveis são pobres. Nada posso fazer, mas novamente peço-lhes que olhem para trás. Em janeiro de 1964 o Brasil tinha dois candidatos: Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek. No clima polarizado daqueles dias, uma parte da militância e da elite política não aceitava a ideia de empossar o algoz de Vargas ou o mineiro que chamava de corrupto. Três meses depois começou uma noite que durou 21 anos.
Durante a treva, o mais entusiasmado dos lacerdistas admitia que teria sido preferível uma vitória de JK. O mesmo se deu com o outro lado. Aliás, em 1967 os dois juntaram-se, mas já era tarde.
Saúdo meus compatriotas e despeço-me.
Tancredo Neves.
Elio Gaspari
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