quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Temer deveria ter feito a redação do Enem

Imagino que quem leu os jornais da véspera das provas do domingo que passou ficou meio encrencado para fazer a redação proposta sobre a inclusão de surdos no sistema educacional. Isto é, se o candidato tiver visto os cortes promovidos por Temer no Orçamento, já enquadrado na nova regra do teto de gastos, com certeza gastou um bom tempo se perguntando: tenho eu que me colocar no reino do faz de conta e me imaginar presidente da República, mexendo no Orçamento? Ou devo ficar no plano da realidade e afirmar que a redação proposta não cabe nos objetivos do “Ponte para o Futuro”, lançado por Temer, quando ainda vice (“decorativo”, afirmava ele) de Dilma Rousseff.

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Senão, vejamos: para a inclusão dos surdos no sistema educacional brasileiro, várias modificações teriam de ser introduzidas, muitas a um custo muito elevado. Desde o corriqueiro modo de chamar o início, o recreio e o fim das aulas, que envolve hoje ou uma sirene ou o badalar de um sino. A menos que a escola oferecesse a cada aluno um desses aparelhinhos contra surdez, anunciados quase como uma joia em revistas e jornais. Isso, evidentemente, para que fossem atendidos os que têm família nos estratos mais baixos da pirâmide da distribuição de renda no país.

Prossigamos: ou o Estado determinaria que os professores também dominassem a Língua Brasileira de Sinais – tornando o tempo de aula um tormento, com o mestre tendo de se virar para manter a disciplina, fazendo uma exposição oral e, depois, aquela por gestos. É provável que os alunos que não fossem surdos aproveitassem a deixa para toda sorte de modos de escapar do tédio: usar o celular para mandar WhatsApp para os amigos, bilhetinhos para o garoto que atualmente é seu crush, ou bater um papinho com as (os) colegas mais chegadas (os), exibindo sua pulseirinha nova ou o tênis recém-comprado.

Ou isso aí, ou cada sala de aula teria de comportar dois professores, que, num jogral sucessivo, iriam se sucedendo ora na linguagem usual, ora na gestual. E a lentidão do processo certamente impediria a utilização de outros métodos didáticos, como a discussão em grupo, por exemplo.

Isso porque toda inclusão ou é inclusão, e os alunos surdos frequentam as mesmas salas de aula, ou são amontoados todos juntos, por séries, o que não seria inclusão, mas formação de verdadeiros guetos entre as pessoas com deficiência e os outros.

No recreio, só brincadeiras livres. E haveria rodinhas só de surdos...

Acontece que, na véspera mesma da prova do Enem, Sua Excelência processou cortes violentos no gasto social, sendo que só no item “Promoção e defesa dos direitos de pessoas com deficiências” tascou uma diminuição de 44,2% em relação ao Orçamento de 2017: passou de R$ 23,3 milhões para apenas R$ 13 milhões.

Aí só mesmo o próprio Temer fazendo a redação proposta para discorrer sobre o milagre que o Enem exigiu neste ano.

Ou estou enganada?

Sandra Starling

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