quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Armas, testosterona e alegria, só isso para o Brasil?

Escrevo esta coluna abalado pelo horror da matança em uma igreja do Texas, Estados Unidos, que deixou 26 mortos, entre os quais meninos e mulheres grávidas. No seu Facebook, o ex-militar autor do massacre tinha exibido, orgulhoso, acariciando-a, a arma do crime, à qual apelidava de “vadia do mal”.

Será verdade que também o sonho de todos os brasileiros é possuir uma arma, como acredita o ex-militar candidato à Presidência Jair Bolsonaro, ou que prefere a política da agressividade, como afirma Ciro Gomes? O mais provável é que sejam os políticos, empenhados em defender sua permanência no poder e manter seus privilégios, herança de um passado que a sociedade já não aceita, quem menos entenda o que está querendo nascer no coração do novo Brasil em trabalho de parto.

Charge O Tempo 08/11/2017

Salman Rushdie, o autor dos polêmicos Versos Satânicos, obra que lhe custou ser condenado à morte pelos islamistas intransigentes, acaba de afirmar que “é preciso dar passagem à nova geração que está chegando com vontade de transformar o mundo”. Segundo o escritor, a velha geração, com seus acertos e fracassos, já deu o que tinha de dar e tem de passar o bastão para a nova, permitindo-lhe que também ela se engane.

Se os políticos adquirirem o gosto de analisar, como simples observadores, o mundo das redes sociais em seu aspecto de relacionamento humano, poderão detectar, como uma corrente subterrânea, um esforço dos brasileiros para sair do anonimato, para serem reconhecidos no que cada um pode oferecer de melhor. Não se observa fome por armas, mas de demonstrar que existem, que estão vivos. O ódio, a violência e a intolerância que também correm pelas veias das redes são mais uma máscara que encobre uma confissão de frustração pessoal ou coletiva, que não é brasileira, mas mundial.

Quando os pré-candidatos à Presidência consideram que sabem, por exemplo, o que os brasileiros desejam, se esquecem de que este Brasil já não é o de apenas 20 anos atrás. Que a sociedade amadureceu. Quando, por exemplo, Lula diz que saberia como devolver a alegria a este país, talvez ignore que o Brasil não está triste, mas irritado, que mais do que em busca de alegria está atrás de uma forma nova de ser governado sem velhos paternalismos, porque é uma sociedade que já se sente adulta. Ou quando Bolsonaro, para atender às preocupações das pessoas com a segurança pública, fala em armar os brasileiros e matar todos os bandidos, como se isso fosse tão fácil, está propondo uma receita de infantilismo a uma sociedade adulta. E quando Ciro Gomes exalta a política agressiva da testosterona, age como se a sociedade brasileira, muito especialmente a feminina, não tivesse tomado consciência de sua dignidade como pessoa, que não passa pelos velhos clichês machistas. Neste campo o Brasil talvez seja mais moderno e avançado que muitos outros países desenvolvidos.

Os velhos políticos ainda não entenderam bem o que se move no interior do gigante brasileiro que busca recuperar o melhor de si mesmo. Este país sofre hoje mais que ontem porque conhece melhor a realidade, aspira a mais, é crítico e talvez por isso mais desiludido e inconformado. E está descobrindo o submundo da política do poder.

O Brasil é um suplicante por uma vida melhor. Não é um país ignorante, apesar do alto índice de analfabetismo funcional que o aflige, herança da velha escravidão. É um povo criativo, empreendedor, capaz de sair à tona de suas dificuldades e com uma paciência infinita. Não sou eu quem diz isso, quem diz são os caçadores internacionais de talentos. Não é autodestrutivo, talvez seja desconfiado daqueles que deveriam organizar uma sociedade menos cruelmente desigual e com oportunidades para todos. É um povo rico em recursos, unido, sem separatismos nem terrorismo. É religioso por história, antigo e moderno ao mesmo tempo.

Estarão entendendo isso os que pretendem guiar esta complexa e rica sociedade brasileira como se fosse a mesma de ontem, fácil de domesticar? O Brasil é mais vivo e mais maduro do que aparece na superfície. Que seus governantes pretendam conquistá-lo outra vez com espelhinhos ou falsas receitas de felicidade, como fizeram os primeiros conquistadores, lhes será cada vez mais difícil.

O Brasil, diz um religioso que trabalha em uma das comunidades marginais da periferia do Rio, “o que quer é que calem as armas, está farto de violência, quer paz”. Quer ser partícipe do banquete de um país rico e saqueado por aqueles que deveriam fazê-lo frutificar. Tudo isso sem perder tempo com desgastadas ideologias. Está descobrindo que poderia nadar em águas menos envenenadas. O Brasil mais jovem está de pé e quer, como no verso do poeta, “fazer o caminho ao andar”.

Vão deixar?

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