O centenário da Revolução de Outubro, por causa da adoção do calendário gregoriano pelos russos, um legado dos bolcheviques, comemora-se hoje, dia 7. A Revolução Russa, que começou em fevereiro, com a destituição do czar Nicolau II, provocou grande entusiasmo entre os intelectuais brasileiros antenados no mundo. Já naquela época, havia socialistas de diversos matizes nos nossos meios intelectuais, mas o que predominava no movimento operário e sindical, que promoveu uma onda de greves por todo o país naquele mesmo ano, eram as ideias anarquistas.
Foi nesse meio que surgiu o Partido Comunista, sob a liderança de Astrojildo Pereira, em 1922, o mesmo ano da Semana de Arte Moderna de São Paulo. A mesma divisão que ocorrera na Rússia entre social-democratas e comunistas, a partir da tomada do poder pelos bolcheviques, se reproduziu em todo o mundo. No Brasil, não foi muito diferente. Num período conturbado da República, que estava sob comando das oligarquias, muitas das quais remanescentes do regime escravocrata, o antigo Partido Comunista (PCB) era uma seção da III Internacional, refletia a doutrina e seguia as orientações de Moscou, em confronto aberto com os social-democratas e outras tendências socialistas.
As ideias comunistas no Brasil eram consideradas muito exóticas e pouca influência tinham na vida nacional, até que Astrojildo Pereira viajou para Bolívia com uma mala de livros marxistas, entre os quais O Estado e a Revolução, de Lênin, para um encontro com Luiz Carlos Prestes. O líder tenentista havia se exilado, depois de percorrer 25 mil quilômetros, em 11 estados, a maioria a pé, à frente de 1.500 homens, a chamada Coluna Prestes. Tornara-se um mito. Foi assim que Prestes aderiu ao comunismo, se recusou a comandar a Revolução de 1930, que considerava burguesa, e agregou o seu prestígio popular e militar ao minúsculo PCB.
De Moscou, Prestes articulou a criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), em 1934, da qual foi presidente de honra. Reuniu, entre outras personalidades, Herculino Cascardo (presidente), Amoreti Osório (vice-presidente), Francisco Mangabeira, Roberto Sisson, Benjamim Soares Cabello e Manuel Venâncio Campos da Paz, Moésia Rolim, Carlos da Costa Leite, Gregório Lourenço Bezerra, Caio Prado Júnior, Aparício Torelly, Miguel Costa, Maurício de Lacerda, Abguar Bastos, os ex-interventores como Filipe Moreira Lima (Ceará) e Magalhães Barata (Pará), o deputado federal Domingos Velasco e o prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto.
O programa da ALN foi lido no lançamento pelo jovem Carlos Lacerda. Seguia as orientações do VII Congresso da Internacional Comunista, para cujo burô (o Comintern) Prestes havia sido eleito. Na essência, era um programa anti-imperialista e antifascista, que expressava o célebre “informe” do búlgaro George Dimitrof, seu secretário-geral, sobre unidade das forças populares na luta contra o fascismo. Mas traduzia também a radicalização política em curso no país, com crescimento do integralismo e, sobretudo, a simpatias de Vargas e de parte do governo pelo Eixo (a aliança Alemanha-Itália-Japão).
Sentindo-se ameaçado, Vargas resolveu fechar a ALN, que já reunia um milhão de militantes. É aí que Prestes retorna ao país com a missão de organizar uma insurreição nos moldes soviéticos, como se tentara na Alemanha e na China, sem sucesso, o que aconteceu de forma precipitada em 27 de novembro de 1935, nos quartéis do Rio, Recife e Natal. O resto da história é mais conhecida. Foi nesse processo que se consolidou um pensamento hegemônico na esquerda brasileira, que parece renascer das cinzas sempre que surge uma oportunidade, apesar de ter se tornado anacrônico, principalmente depois da guerra fria. São ideias que não morreram completamente, mesmo depois do colapso da União Soviética e da queda do muro de Berlim, quando nada porque alguns de seus paradigmas estão vivíssimos.
Um deles é a ditadura do partido como força capaz de promover a modernização e combater as desigualdades sociais (China e Vietnã, na Ásia). Outro velho dogma é a tese de que um país periférico não pode se tornar uma nação desenvolvida sem romper as cadeias de dominação (Cuba, na América Latina). Finalmente, a tese de Lênin de que o capitalismo de Estado é a antessala do socialismo, que legitima governos autoritários em Angola, Moçambique e Venezuela. Já a Coreia do Norte é um caso à parte: ainda vive uma monarquia no “comunismo de guerra”.
Historicamente, o capitalismo de Estado foi uma via de industrialização, tanto para os regimes fascistas que tomaram conta da Europa, como para os regimes comunistas do Leste europeu. Há uma certa simbiose entre o modelo econômico e o regime político autoritário. No livro A Quarta Revolução, Adrian Wooldridge e John Micklethwait, seus autores, advertem que existe uma corrida mundial para reinventar o Estado, na qual regimes autoritários do Oriente estão levando certa vantagem em relação às democracias do Ocidente. Esse é o perigo.
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