sábado, 10 de junho de 2017

O público e a privada

A absolvição (4 a 3), pelo TSE, da chapa presidencial Dilma-Temer, eleita (?!) em 2014, adiciona mais um capítulo à novela de espantos da crise brasileira; um julgamento de quatro dias, de que já se sabia com larga antecedência os votos de cada um dos ministros.

Alguns foram escolhidos por um dos réus, casos de Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira, indicados por Temer. Gonzaga, inclusive, advogou para a chapa Dilma-Temer em 2010, mas, como o caso em pauta se referia à eleição posterior, não se sentiu impedido.

Clamor das ruas? Ora essa: “Não se deve ouvir a turba”, proclamou o ministro Gonzaga, exercendo com fulgor o seu papel nesta crônica de uma absolvição anunciada.
Charge do dia 10/06/2017

Seu colega Napoleão Nunes Maia trocou o slogan “voz das ruas” pelo “voz das urnas”, o que, no limite, torna desnecessária a existência do próprio TSE. Não importa (é o que se infere do que disse) o que fez as urnas falarem – mas falaram, tá falado.

O teor fulminante das provas, expostas pelo relator Hermann Benjamin, não impressionou os juízes, que, aliás, já as conheciam em detalhes. Bocejavam de tédio e contrariedade diante do expositor - e lhe pediam objetividade.

Não contestaram as evidências documentadas, mas aspectos, digamos, formais, tais como a data de junção das provas aos autos. Pouco importava que se referissem a fatos contemporâneos ao que se julgava, apenas revelados posteriormente.

O mesmo plenário que autorizou colher os depoimentos da Odebrecht e dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura sustentou, por maioria, que eram inválidos.

Absolveram-se os réus não em face da inocência, na qual ninguém sustentou crer, mas por motivos que variavam da argumentação já referida dos prazos à dos supostos riscos à estabilidade da economia do país. Houve mesmo quem argumentasse (ministro Napoleão) que não apenas os réus, mas todos os candidatos teriam incidido nos mesmos atos.

Assim sendo, se todos delinquiram, absolvam-se todos, já que, segundo ele ainda, em reeleição, é natural o abuso de poder econômico. Validou, assim, a blague segundo a qual “ou todos nos locupletamos ou restaure-se a moralidade”.

O TSE, no entanto, não estava julgando a todos, mas um caso específico, que, por envolver uma eleição presidencial, quebraria um paradigma nefasto, que inversamente consagrou.

O julgamento agrava a crise na medida em que aprofunda o descrédito geral nas instituições. Quando o próprio Judiciário obstrui a Justiça, em nome de fatores a ela estranhos, como a estabilidade da política e da economia – na verdade, do governo -, assume o papel mencionado pelo relator de “coveiro de provas vivas”.

Ao se eleger vereador pelo Rio de Janeiro, nos anos 50, o humorista Barão de Itararé prometia: “Farei na vida pública tudo o que faço na privada”. Era uma piada, mas era também uma profecia, em pleno cumprimento nos dias em curso.

Ruy Fabiano

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