O sofrimento que deriva da instabilidade do sistema deve ser levado em consideração e priorizado em relação aos castigos dos delinquentes. Mais que vingança cega, é preciso enxergar a recuperação do prejuízo.
A justiça se faz com misericórdia, e a misericórdia, com justiça, não brutalmente. A justiça deve minorar e reparar, em primeiro lugar, o sofrimento ao qual a nação foi submetida pelos desvios. Os mesmos que apequenaram a saúde, a educação e as soluções sociais.
Os orçamentos municipais se fizeram apertados, como os dos Estados e o da União, sinalizando um prazo de sete ou oito anos para recuperar o nível de 2012. Temos como encurtar esse prazo? Sim.
Embora a delação da Odebrecht seja apenas a primeira de largo espectro que revela a criminalidade generalizada do sistema público, será seguida por outras dezenas igualmente estarrecedoras. A exposição de um volume nunca imaginado de figuras de proa da política, o dito alto clero, sinaliza um prazo infindável para que a justiça se cumpra. Dez anos de investigações, processos e recursos jurídicos não serão suficientes. Deixarão o país sangrando, instável e depreciado, enquanto tribunais abarrotados consolidarão que o Brasil é um caos de indignidades.
Mais de 10 mil ações vão atingir uma multidão de indiciados sem saída, desde que não haja dilatação de prazos, prescrição e expedientes que adiem o julgamento. Isso, se houver, inexoravelmente, atrasará a recuperação de bilhões de reais que fazem falta para acelerar a recuperação do país.
A maioria dos indiciados trocaria a liberdade e um fim manso em qualquer canto do planeta para evitar dividir as celas com Zé Dirceu, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Eike Batista etc. Vale a pena ir até um fim? Um fim que não se sabe quando chegará?
Apenas a Odebrecht esvaziou os túmulos das “operações estruturadas”, e falta ainda uma dúzia de grandes empreiteiras, provavelmente centenas de recalls de delações. Isso para confirmar o óbvio, que o modus operandi da maior empresa do Brasil era comum ao das demais. Já se tem certeza. Os esquemas revelados pelos 74 delatores do grupo Odebrecht contemplam desde cacique de tribo indígena até presidente da República.
Não se trata de exceções, mas de uma geleia geral que interliga e nivela partidos, siglas, comandantes e presidentes. Segundo a Odebrecht, 75% das verbas eram de caixa 2; o resto, mesmo sendo de caixa 1, tinha contrapartidas, embora com aspectos legais, mas essencialmente imorais, pagas com superfaturamentos e vantagens extraídas dos erários nos contratos de concessões públicas, aeroportos, ferrovias, navios, estádios, hidrelétricas, termoelétricas, plataformas e até submarinos. Nada escapou.
Quanto tempo ficará o país sangrando, aguardando o fim desse drama marcado de estrepitosas bandalheiras?
Quais são as soluções para nos livrarmos dos efeitos colaterais, das demoras?
São várias e ainda justas quando apontam o benefício da nação.
Atenção, a anistia não é um perdão! Pode ser atenuação de parte da penalidade, desde que se produza um enorme ganho para o país.
Devolver os valores subtraídos e seguir para exílio deixando o patrimônio para um leilão são alternativas, assim como a liquidação de todos os ativos para pagamento e multa de 30% das receitas de obras públicas dos últimos 16 anos, enfim priorizando as vantagens sociais.
Ainda se pode criar um tribunal especial, como se fez em Nuremberg, ao fim da Segunda Guerra Mundial, para crimes de corrupção, com poderes e ritos especiais para passar os contratos federais, estaduais e municipais desde o ano de 2000.
A corrupção já nos fez pagar um preço caríssimo. A hora é de recuperar o tempo perdido e de se livrar das sementes que reproduzem a delinquência.
Para as figuras políticas que transitaram em cargos públicos no mesmo período, haveria possibilidade de antecipar confissão e devolução das propinas arrecadadas – com isso lhes seria possibilitado a venda do patrimônio possuído antes do ingresso na vida pública e seguir para o exílio ou prestar trabalhos sociais remunerados por salários mínimo ao longo de dez anos. Há muitas soluções que podem servir.
É preciso cortar esse nó górdio da corrupção, resgatando-se as oportunidades perdidas. Vacinar o Brasil, extinguindo grupos fundados em relações criminosas, exercer o confisco de seus patrimônios com o expurgo de dinastias de transgressores.
A confiança voltaria a benzer o Brasil, um surto de desenvolvimento surgiria para apagar grande parte do sofrimento atual. Os resultados das recuperações seriam vinculados a obras essenciais e destinados em partes iguais a União, Estados e municípios.
Essa pode ser a volta por cima.
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