Façamos de qualquer lugar o nosso refúgio. Não por acaso, o hygge nasceu num país com um clima adverso. Invernos longos, duros e exigentes que obrigaram os dinamarqueses a olhar para dentro de seus lares a fim de se sentirem seguros e confortáveis, experimentando a familiaridade.
Essa mudança de direção no olhar, para o interior, permitiu-lhes não apenas trabalhar no desenho dos espaços e das coisas que os habitam, mas também nas relações e seus círculos de amizades para ampliar o conceito de refúgio onde quer que se encontrem. Talvez lá fora caia neve e estejamos a 20 graus negativos, mas não em nosso refúgio. Talvez o mercado de trabalho seja inclemente e não tenha sentimentos, mas em nosso círculo não é assim. E é possível que estejamos fora de casa, passando a noite num hotel, mas podemos buscar a familiaridade e encontrá-la ao desfrutar desse momento. Porque talvez o mundo seja cruel e imprevisível, por vezes frio e impessoal, mas nesse lugar onde estamos podemos nos esforçar para sermos geradores de bem-estar ativo.
O bem-estar ativo é, simplesmente, realizar de forma consciente aquilo que nos faz bem. Pode ser tomar uma xícara de chá, comprar o romance que nos chamou a atenção ou respirar um pouco de ar puro num passeio noturno. Cada um saberá o que é, mas o que todos sabemos é que, para sermos geradores de bem-estar ativo, precisamos ser caçadores de momentos especiais que acontecem aqui e agora. Celebrar o cotidiano como parte de um momento que não se repete, conectar com essa parte de nós que gosta de calma, sossego, tranquilidade. Mesmo que seja só de vez em quando, poder frear a ânsia da hipercomunicação, do hiperconsumismo e da hipervelocidade dos nossos dias para curtir o momento. Porque, no final das contas, como dizia Cesare Pavese, não recordamos dias; recordamos momentos. E esses momentos são nosso melhor refúgio.
A cordialidade como princípio, começando por nós mesmos. Hoje, o hygge está tão na moda que podemos encontrar velas hygge, calças hygge, mantas hygge e agências de viagem hygge. É o sinal do nosso tempo: qualquer coisa se transforma em bem de consumo. Mas, além das exigências do mercado, o grande segredo hygge é a cordialidade, e isso não podemos encontrar em nenhuma loja. Devemos buscar em nosso interior. Essa é a grande mudança de olhar que devemos fazer. Ser cordiais, começando por nós mesmos. Dar-nos esse gesto simples e possível que nos arranque um sorriso. Cuidar de nossa alimentação, sem que por isso tenhamos de abrir mão de tudo continuamente. Ser cordiais com nosso corpo, dando-lhe de presente, de vez em quando, essa massagem que nos faz tão bem ou esse banho que nos relaxa. Ser cordiais com os demais, fazendo com que se sintam confortáveis – isso também é ser cordial consigo mesmo. Ser cordiais com o meio ambiente, com os animais e com tudo o que nos cerca. A cordialidade é o princípio do hygge porque, a partir dela, é possível construir um refúgio onde habitar. E a cordialidade em grandes quantidades ampliará nosso refúgio até abranger todos os âmbitos de nossa vida. Isso é o hygge – e todos nós podemos ativá-lo agora mesmo. Ou, melhor dizendo, conectar com isso porque está mais dentro de nós que nas coisas que nos rodeiam, como costuma acontecer com tudo aquilo que nos faz sentir, simplesmente, bem.
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