Mais de R$ 450 milhões foram distribuídos pela Odebrecht a políticos das três esferas do governo, aponta levantamento do jornal “O Estado de São Paulo”. Um número capaz de escandalizar qualquer cidadão decente. Não aqui, no país da superlativa corrupção, onde Marcelo Odebrecht fala de quantias assombrosas como se mencionasse troco de picolé. Não na terra em que muitos denunciados continuam a desfrutar do apoio incondicional de sua legião de fanáticos.
O conteúdo dos depoimentos de Marcelo Odebrecht e seu pai é igual à morte anunciada de um parente: intuímos o que vai ocorrer e acreditamos estar preparados, mas, na hora que acontece de verdade, sobrevém o baque doloroso. A realidade nos arrasa. O fato concreto nos atordoa. Quanto mais se lê, ouve ou assiste ao vídeo dos depoimentos dos empresários, mais se intensifica o sentimento de indignação entre os que ainda mantêm vivo o respeito à ética no Brasil.
Esse monstruoso montante de dinheiro encharcado do nosso sangue é, sim, responsabilidade de políticos e empresários corruptos. Mas também se deve a todos os que escolheram a cegueira de apoiá-los, apesar da montanha de denúncias se avolumar há meses, anos e até décadas.
Nossa nação é hoje um organismo que geme em praça pública. Suas vísceras estão expostas e o mau cheiro se espalha, denunciando a moléstia que o consome. Possibilidade de cura existe, mas será longa e trabalhosa. O início dela passa – além da punição exemplar dos corruptos – obrigatoriamente pelo fim do apoio anacrônico a quem está envolvido no esquema que há décadas afunda a Nação no lodo das indignidades. Já passa da hora de libertar as mentes da prisão ideológica. Ela é indigna de um brasileiro com sangue nas veias e senso moral desenvolvido. Todo cidadão consciente deveria tomar para si a tarefa de legar ao ostracismo cada um dos ligados ao esquema sórdido. E ir além: pressionar por mudanças capazes de evitar que se repita esse festival de horrores.
Mas para isso, é necessária uma revolução silenciosa e interna. O Congresso precisa deixar de ser espelho do ethos dominante no país. Basta desse caráter macunaímico, que chama a malandragem de molejo, diverte-se em passar a perna nos descuidados e, à primeira chance, também se lambuza na corrupção.
A Nação cansada não merece ouvir aplausos a explicações inconsistentes e comentários populistas. Nem ver gente que figura na lista da Interpol rir-se como se nada devesse. O que são Odebrechts e os políticos integrantes da lista de Fachin? Apenas as figuras mais conhecidas e representantes máximos desse exército de brasileiros que, repito, vende a alma em troca de dinheiro sujo.
Nada mudará enquanto famosos e anônimos não forem sufocados pela conduta geral que reprova a adesão ao crime. E por leis/punições cada vez mais severas. É preciso condenar condutas abjetas. É necessário desprezar a criminalidade, em vez de torná-la objeto de veneração.
É como dizem por aí: o problema não está na loucura de D. Quixote, mas em Sancho Pança, que o apóia e acompanha, de olho no cargo de governador da ilha. Na obra-prima de Cervantes, Sancho Pança aos poucos abre mão de sua visão realista para embarcar nos delírios de D. Quixote. Por isso, o escritor o define como “homem de bem, mas de pouco sal na moleirinha”. O Brasil só sai dessa lama se houver mais sal em algumas moleirinhas.
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