segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Romênia, um país onde a corrupção mata

Teddy Ursulescu perdeu os dedos da mão esquerda e parte dos da direita. Também perdeu muito da sensibilidade nos braços. E nas pernas. Suas extremidades estão marcadas por cicatrizes grandes e rugosas, que se espalham também por baixo da camiseta de listras pretas. São as marcas exteriores provocadas pelas chamas que assolaram o Club Coletiv de Bucareste em outubro de 2015, uma discoteca onde a jovem tinha ido com um grupo de amigas para assistir a um show. Teddy, uma jovem arquiteta, já não as esconde. As cicatrizes são o sinal de que ela conseguiu escapar da tragédia. "Dentro da discoteca, 27 pessoas morreram. As pessoas estavam presas, queimando-se, sufocadas", sussurra, na sala de sua casa em Bucareste. Teddy fez 30 anos neste sábado.
Teddy Ursulescu, vítima do incêndio do Club Colectiv
O terrível incêndio revelou um enorme caso de corrupção na Romênia. O Colectiv não tinha as mínimas condições para funcionar. E, apesar disso, seguia aberto graças a subornos e propinas que pagava aos órgãos de administração, segundo investigações. O escândalo – que derrubou o governo romeno – foi um momento-chave no país. As pessoas viram que a corrupção pode matar. O caso do Colectiv, infelizmente, mostra também até onde pode chegar o problema.

Porque alguns dias, semanas depois do incêndio, outras 37 pessoas que estavam na discoteca morreram, a maioria devido a terríveis infecções hospitalares; uma taxa altíssima. As mortes e a investigação posterior escancararam um sistema de saúde gangrenado pela corrupção, em que as condições dos hospitais eram inadequadas, mas eles acabavam aprovados em fiscalizações compradas - ou simplesmente inexistentes - e em que o pagamento de comissões aos administradores e aos próprios médicos tornou-se habitual. Também foi descoberto que um laboratório farmacêutico romeno, o Hexi Pharma, havia passado anos vendendo, a preços altíssimos, produtos de limpeza hospitalar diluídos, que não serviam para esterilização. Esses produtos eram vendidos a 350 hospitais do país, incluindo o de Queimaduras de Bucareste, onde estava internada a maioria dos feridos do Colectiv, e para onde também foi levada Teddy, antes de ser transferida para Viena, onde chegou com uma infecção muito forte e que não estava em seu prontuário.

Foi no Hospital de Queimaduras, uma antiga maternidade reformada, que morreu Alexandru Iancu, de 22 anos. Um jovem de cabelos compridos e olhar cansado, amante do rock e da poesia, que passava quase todo seu tempo livre tocando guitarra. Principalmente as músicas de Goodbye to Gravity, a banda que tocava no Colectiv no dia da tragédia. "Quando ele sobreviveu ao incêndio na boate, chegamos a acreditar que ele sobreviveria. Não pensamos que, três semanas depois, ele morreria de infecção hospitalar", lamenta o pai do jovem, Eugen. "Meu filho Alexandru foi uma vítima dupla da corrupção: primeiro no Colectiv e depois no hospital. O que aconteceu mostra a que ponto a corrupção pode chegar", reclama Eugen Iancu, que agora preside uma associação de vítimas da tragédia.

As famílias procuram culpados. "Esperamos que este caso, em que há vários processos, provoque uma mudança nas leis, para que nada parecido volte a acontecer", afirma Antoniu Obancia, advogado de Iancu e de outras 19 vítimas ou familiares. Para ele, o que aconteceu no Colectiv é um dos casos mais importantes dos últimos 25 anos. Seu escritório, Zamfirescu, Racoti & Partners, que costuma defender pessoas em casos contra acusados de corrupção, não está cobrando das vítimas.

A Romênia ocupa a posição número 57 no ranking da Transparência Internacional, que mede a corrupção em 197 países. Por lá, as comissões, os subornos ou as situações que envolvem conflitos de interesses são algo absurdamente comum. E, embora a situação tenha melhorado, de acordo com o mesmo índice e com o último relatório da Comissão Europeia – que audita o país desde sua adesão, há 10 anos –, nove em cada 10 romenos continuam considerando a corrupção um problema grave do país. Mais do que isso, dois a cada três romenos dizem ter pagado ou recebido dinheiro para acelerar algum trâmite oficial, para receber atendimento médico ou para garantir uma boa educação.

Muitos destes cidadãos foram às ruas para protestar contra o que aconteceu no Colectiv. E voltaram a fazê-lo, de forma ainda mais forte, para reclamar da corrupção e de um Governo que tentou diminuir, com um decreto, a luta contra o problema. As manifestações, as maiores do país desde a queda da ditadura de Nicolae Ceaucescu, há 27 anos, conseguiram bloquear a lei que descriminaliza alguns casos de corrupção, e foram um marco para a Romênia o resto da Europa.

"As pessoas declararam guerra à corrupção em todos os níveis", afirma Miluta Flueras. O engenheiro, de 33 anos, também estava na boate no dia do incêndio. Fotógrafo e amigo do grupo Goodbye to Gravity, ele estava fotografando o show. Acabou ferido com queimaduras de segundo e terceiro graus em 30% do corpo. Hoje, depois de seis meses internado, ele está praticamente recuperado e participou ativamente dos protestos contra o Executivo do Partido Social-democrata e sua tentativa "sem vergonha" de diminuir a luta anticorrupção.

"Depois destes escândalos e das mortes, a reforma legal foi vista como uma manobra não apenas nociva, mas intolerável", afirma também Codru Vravie, especialista legal da Funky Citizens, uma plataforma online que analisa a transparência na Romênia. Vravrie afirma que, apesar de a Administração ser o setor mais afetado – com propinas para obtenção de documentos, comissões por contratos, uso de materiais inadequados ou com preços superfaturados, etc –, são os escândalos da saúde pública os que causam mais indignação. São vidas humanas em jogo.

"A saúde tem um orçamento de 7 bilhões de euros (24 milhões de reais), a tentação de desviar dinheiro é muito grande: muitos gerentes, e também políticos, cobram comissões de empresas de produtos de saúde, de laboratórios, de contratos de limpeza", denuncia a médica Camelia Roiu, que afirma que os pagamentos a profissionais de saúde são algo comum no sistema romeno, no qual, até o ano passado, um médico não ganhava mais de 700 euros (2.400 reais) por mês. "De novo, entra a tentação", diz. A funcionária pública Laura Popa, por exemplo, pagou 200 euros (650 reais) por uma cesárea. Sua amiga Roluca, 150 (500 reais).

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