quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

O império da lei e da ética precisa deixar de ser um mito

“Se não fosse essa odiosa excrescência do ‘foro privilegiado’, jamais seria forçada a tomar tal decisão, contra minhas convicções e contra a relevante finalidade do Supremo Tribunal Federal. Ficaria limitada a julgar somente alguns casos, já que a maioria estaria entregue (país afora) a juízes singulares”. Essa frase poderia ter sido pronunciada pela presidente Cármen Lúcia Antunes Rocha. Mineira de Montes Claros, a ministra homologou as colaborações premiadas de 77 executivos e ex-dirigentes da Odebrecht, que provocarão a abertura de inquéritos contra gente graúda, no poder e fora dele. Cármen Lúcia optou, todavia, pelo sigilo dos depoimentos. Uma decisão talvez sábia, mas que, como qualquer outra que porventura tomasse, ensejaria cisões.

Outros integrantes de nossa Corte Suprema, como o ex-ministro Carlos Mário Velloso, seu ex-presidente, concordariam com ela e ainda proporiam a revogação do foro privilegiado, herdado do Império, absurdo sob todo aspecto. Mas a verdade é que o Supremo Tribunal Federal, uma vez mais, agora com mais força, será sacrificado.

A operação Lava Jato é, por ora, um prenúncio de que boa parte do país persegue o verdadeiro “império da lei”. Uma miragem, mas, quem sabe, uma esperança. As testemunhas desse processo são as prisões de empresários e políticos (em menor conta) pesos pesados. Talvez seja, por outro lado, um prenúncio de que o Estado, protetor dos poderosos, tenha, afinal, sofrido forte abalo, na direção (outra miragem?) de sua função, que é a de dar atenção aos desvalidos.

Se a dinheirama que escorreu pelo ralo não só da corrupção, mas por meio dos mais diversos meios (“manda quem pode, obedece quem tem juízo”), tivesse sido investida na educação e na saúde, o país seria outro. Com absoluta certeza. E é isso o que mais dói.

Sei que é difícil acreditar, exatamente no momento em que a maior democracia do mundo (que sempre teve e ainda tem muito a desejar) corre sérios riscos nas mãos de um doidivanas (desculpe-me, mas existe outra denominação?), que, daqui para a frente, isto é, depois da Lava Jato, tudo será diferente, pois estará consolidado, enfim, em bases reais e sólidas, não o “governo dos homens”, mas o “governo das leis”.

A sensação que a Lava Jato tem despertado entre os brasileiros é a de que, felizmente, o país quer mudar e está mudando. A ética e o respeito à lei, que precisa exprimir o consentimento da maioria (e não das oligarquias), são os dois pilares fundamentais de seu futuro.

Ultrapassada a fase da homologação pela ministra, que, por sua vez, deu início às investigações pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, será divulgado o nome do novo relator da Lava Jato, outra missão difícil para Cármen Lúcia. Depois dessa definição, por sua livre escolha, e depois de se exercitar no bom senso e na prudência, o presidente Temer, conforme já informou, indicará o substituto do ministro Teori Zavascki, cuja nomeação só se dará após aprovação do nome pelo Senado.

O povo brasileiro estará atento não só à indicação do presidente, mas, principalmente, à verdadeira sabatina a que se deve submeter o indicado. Qualquer coisa que fuja disso desmoralizará, ainda mais, as instituições da Presidência da República e do Senado Federal.

E isso não será bom para ninguém. Bom mesmo será se a operação Lava Jato for o marco deste novo país a ser construído por gente que ainda acredita na Justiça. É nisso que devemos acreditar.

Até porque, leitor, nada nos custa.

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