Como consequência, em vez de uma opinião pública constituída, o que se tem é a massificação das audiências e uma redução da democracia de um conjunto de valores e processos a um emaranhado de regras procedimentais que permitem a políticos profissionais e aventureiros populistas oferecer alternativas edulcoradas, simplificadas e enganadoras aos eleitores. O que, por tabela, reduz a vida política a uma espécie de mercado onde esses cidadãos têm suas vontade e percepção condicionadas por quem detém o monopólio da produção de sentidos e de expressão do mundo social. Com isso o espaço público da palavra e da ação não é mais um espaço de liberdade e reflexão, no qual os cidadãos podem exercer suas faculdades críticas e definir interesses comuns. Ele é convertido num espaço em que cidadãos volúveis e influenciáveis são reduzidos ao papel de consumidores; um espaço de entretenimento em que esses cidadãos se comportam como espectadores, divertindo-se ou se indignando conforme a capacidade de manipulação de corações e mentes de marqueteiros, pastores de igrejas midiáticas, ativistas comunitários, populistas aventureiros e blogueiros sujos. Para eles, o que importa é uma lógica imediatista, pragmática e pouco sensível a ideias de tolerância, reconhecimento e equilíbrio, que tem mais a ver com o consumo do que com a construção de uma vontade coletiva, por meio de diálogos e compromissos ativos. A identidade coletiva não desaparece, é certo. Porém tende a perder seu caráter universalista. A própria ideia de lei como regra abstrata, geral e impessoal é substituída por emaranhados de regulamentações jurídico-administrativas de caráter instrumental e circunstancial.
Num cenário incerto e cambiante como esse, em que as redes sociais aumentam o acesso às informações na mesma proporção em que desorientam, como evitar que processos democráticos complexos cedam lugar à espetacularização da política e a embates e polarizações baseadas em contraposições simplistas e maniqueístas? As respostas são muitas. No caso específico da internet, é preciso resistir à perigosa tentação de regramento do que é publicado. O que é necessário para enfrentar os segmentos irresponsáveis e radicais das redes sociais não é burocracia nem mais regras, mas o reconhecimento constitucional da liberdade de uso e acesso à rede associado a uma educação informática dos cidadãos, para que se conscientizem da importância da busca de novas referências e de fontes diversificadas de informações.
Com relação à imprensa convencional, por mais que enfrente dificuldades para atuar como ponte entre os leitores e o mundo, dado o avanço das novas tecnologias de comunicação, ela ainda tem papéis importantes a exercer. Um é continuar atuando como memória dos leitores, estabelecendo conexões entre acontecimentos, reatando fios partidos e enfatizando detalhes aparentemente menores. Por causa da velocidade com que são transmitidas e de suas simplificações, as informações via internet são sempre presentificadas – ou seja, não têm passado nem futuro. Outro papel é aumentar a capacidade de identificação da veracidade e coerência das afirmações e justificativas de políticos, candidatos e dirigentes governamentais, para assegurar a qualidade do debate público e afastar o risco do reducionismo dos embates políticos a uma luta entre o bem e o mal, por um lado, e o risco de que notícias manipuladas e mentirosas acabem tendo audiência maior que notícias verdadeiras. Como as mídias alternativas, a imprensa tradicional também é vulnerável a erros de avaliação e falhas de perspectiva.
Acima de tudo, não se pode esquecer que sem respeito à verdade factual e contenção de inverdades apresentadas como fatos legítimos não há discussões democráticas capazes de converter representatividade em efetivas alternativas de poder.
José Eduardo Faria
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