sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

O núcleo mole do governo

Fernando Henrique Cardoso tem reiterado que o mandato tampão do presidente Temer não chega a ser uma ponte. Não passa de uma pinguela precária pela qual o país terá de ser conduzido até as eleições de 2018. Mas que, por mais improvisada, frágil e periclitante que seja, é a única rota disponível para a travessia. “É o que temos”.

Nas últimas semanas, a apreensão do país com a precariedade da pinguela por que está sendo obrigado a passar foi exacerbada, em grande medida, pela deplorável sequência de eventos que culminou na exoneração de Geddel Vieira Lima do cargo de ministro da Secretaria de Governo. Foi mais um integrante do que se convencionou chamar de núcleo duro do governo a se afastar da posição que ocupava no Planalto.

Tradução direta de hard core ou de noyau dur — que, na acepção literal, significam parte central, sólida e resistente, como o caroço de um pêssego ou de uma manga — a expressão núcleo duro tem sido amplamente usada no sentido figurado, para designar a parte mais resistente que dá sustentação a um grupo ou organismo social mais complexo.

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A cada dia fica mais claro, contudo, que o que vem sendo chamado de núcleo duro do governo se tem mostrado, de fato, muito pouco resistente, como bem atesta a rapidez com que se vem desintegrando. Salta aos olhos que a confraria peemedebista em torno da qual se estruturou, de início, o governo Temer não tem solidez para lhe dar sustentação por muito tempo mais.

Não faltará, é claro, quem, menos propenso a torcer o nariz, apele para o pragmatismo, alegue que governo congressual é assim mesmo e argua que, não importa se dura ou mole, tal confraria tem desempenhado papel fundamental na arregimentação do sólido apoio parlamentar que tem permitido a aprovação sistemática do que o Planalto tem submetido ao Congresso.

É um argumento que passa ao largo de duas considerações cruciais. Em primeiro lugar, a maior parte do amplo apoio com que vem contando o governo no Congresso talvez deva ser atribuído, não à equipe do Planalto, mas ao traquejo do próprio presidente Temer, adquirido ao cabo de longa e rica experiência parlamentar, que incluiu o exercício da presidência da Câmara de Deputados por dois mandatos.

A segunda consideração é ainda mais importante. Como tão bem ilustrou o caso Geddel, a vulnerabilidade dos que lhe são mais próximos no Planalto pode deixar o presidente da República perigosamente exposto a grave desgaste político a que, a esta altura do jogo, não pode mais se permitir.

Em meio ao pavoroso atoleiro em que o país está metido, Geddel conseguiu se afogar numa poça formada num pequeno buraco que ele mesmo cavou. Mas vem coisa muito mais séria por aí. Sem ir mais longe, é bom que Temer vislumbre, com a nitidez possível, a extensão do desgaste adicional que as megadelações impendentes poderão impor aos integrantes remanescentes do seu círculo mais próximo. E tente se antecipar aos fatos.

Substituições de afogadilho, quando a situação já se tornou insustentável, têm sido uma fonte recorrente de desgaste do presidente. E de prolongamento desnecessário de um quadro de alta incerteza que, entre outros desdobramentos, vem contribuindo para retardar o início da tão aguardada recuperação da economia. É preciso muito cuidado para não tornar a pinguela ainda mais precária do que já é.

Há poucos dias, em discurso a uma plateia de empresários e investidores, o presidente Temer se permitiu externar avaliação um tanto peculiar do sufoco recente por que passou o Planalto. “Como não temos instituições muito sólidas, qualquer fatozinho, me permitam a expressão, abala as instituições”. Não é bem assim. Nem as instituições são tão pouco sólidas, nem há como classificar o episódio aludido como um fatozinho qualquer.

Chegou a hora de Temer se mirar no seu próprio exemplo. Um presidente que conseguiu montar uma equipe econômica de alto nível não deveria enfrentar dificuldades intransponíveis para recompor, em bases mais sólidas, o que vem sendo chamado de núcleo duro do governo.

Rogério Furquim Werneck

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