Sobrevivente percorre o campo de Moria (Giorgos Moutafis / Reuters) |
Superando a dor e, embora acreditando-se estar curado de choques, blindado emocionalmente ou de pelo menos ser impassível, Vaggelis publicou naquele mesmo dia, em sua conta no Facebook, uma carta para Bares:
“Algumas palavras para Bares, um pequeno anjo do Iraque que não conseguiu viver... Você chegou um dia e se pendurou em meu pescoço no meu segundo dia de serviço na ilha, e, desde então, eu o tinha ao meu lado em cada patrulha. Você e eu nos fizemos companhia durante dois meses, você me esperava, tendo ou não algo para te dar, você se jogava em meus braços e ficava ali, dando voltas ao meu redor... E hoje meus colegas me ligam e me dizem que você é a pequena alma que um dia antes se queimou no incêndio de Moria, filho da minha alma...
Você pagou muito caro pelo sonho europeu de seus pais, a guerra, o exílio... Você se tornou uma vítima, mas, onde estão os verdugos? Boa viagem, meu anjinho, quem dera poder vê-lo correr novamente, quem dera você me chamasse novamente “policial, policial” ou, como dizia, “pulizia”.Vaggelis tem cerca de 40 anos e cara de gente boa. Na triste história de Bares, dá um nome ao que, para muitos, são apenas estatísticas, e esse nome é usado para transformar a dor em uma lembrança de injustiça. Mas Vaggelis não é o único que lamenta o destino dos refugiados (62.000 no país, cerca de 15.000 em ilhas do mar Egeu). Apesar das críticas frequentes de alguns ativistas e organizações humanitárias contra o Governo grego devido às deficiências no atendimento aos migrantes, o pesar de Vaggelis é o mesmo dos guardas costeiros gregos que, por salários de 800 euros (cerca de 2.800 reais), ou menos, estão cansados de retirar corpos de crianças da água, ou o pesar de agentes que, nos piores dias de Idomeni, em março passado, quando o fechamento das fronteiras dos Balcãs barrou a entrada de milhares de refugiados na Europa, admitiam ver jovens e crianças que imploravam sua ajuda (para cruzar a fronteira, para comer, para sobreviver) muito parecidos a seus filhos.
Isso, que tem sempre sido chamado de comiseração, e que é, sempre foi, anterior a toda solidariedade como ofício.
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