sexta-feira, 11 de novembro de 2016

A volta do populismo

A eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos não foi um acidente. Resultou do fracasso do establishment político e econômico em mitigar o mal-estar daqueles que se sentem ludibriados e preteridos na distribuição dos benefícios gerados pela globalização e pela inovação tecnológica.

ZIRALDO!:
Esses milhões de americanos – e, como eles, bilhões de pessoas em todo o mundo – acreditaram nas promessas de prosperidade global, mas agora se consideram explorados por um sistema incapaz de lhes dar perspectivas de ter uma vida melhor que a de seus pais. Desencantaram-se com a democracia representativa e desejam ser conduzidos por um líder forte e ostensivamente desvinculado desse sistema.

Essa massa se vê descartada pelos que conduzem o Grande Jogo da globalização, do mesmo modo como a classe média se viu descartada nos anos 20 e 30 em vários países da Europa, a ponto de se transformar na multidão de ressentidos que alimentou os movimentos radicais nacionalistas de caráter totalitário.

Hoje, assim como naquela época, imigrantes e minorias em geral são vistos como os símbolos da frouxidão liberal. Na visão dos eleitores de Trump, essas minorias estariam se beneficiando da mentalidade multiculturalista e da diluição das barreiras nacionais para ganhar o espaço que deveria ser, em primeiro lugar, deles, os verdadeiros “americanos”. Nesse cenário, a violência não é exceção, mas regra. O recurso à força bruta passa a ser visto como legítimo se o oponente representa o establishment. A segregação e o racismo se tornam naturais.

A abertura de fronteiras e a livre circulação de pessoas e ideias são vistas como instrumentos de dominação de uma plutocracia transnacional, que estaria interessada em diluir os verdadeiros valores pátrios e em minar o poder das autoridades nacionais. Esse sentimento se espalha. Por exemplo, o voto pela retirada britânica da União Europeia foi alimentado pela sensação de que o Reino Unido perdera a autonomia para tomar decisões segundo seus próprios objetivos, submetendo-se à agenda das autoridades europeias.

Antes de Trump, outros demagogos perceberam a oportunidade de explorar o ressentimento das pessoas que, embora de classe média, se consideram excluídas da repartição da riqueza e da definição dos destinos do país. O presidente da Turquia, Tayyip Erdogan, e a dirigente da ultradireitista Frente Nacional francesa, Marine Le Pen, são exemplos ruidosos do movimento populista.

Mas o triunfo de Trump levará esse cenário para outro patamar. A inclusão dos Estados Unidos no clube do populismo indica que o solapamento dos pilares da globalização deixou de ser um fenômeno restrito a países periféricos ou a movimentos marginais em países desenvolvidos. Os Estados Unidos sempre foram o símbolo dos ideais democráticos e um modelo de dinamismo político, social e econômico. Agora, com a chegada à presidência de um homem que transformou a truculência em trunfo eleitoral, que não tem compromisso com a verdade e que ameaça abertamente desmontar a estrutura sobre a qual se assenta a própria democracia, fica parecendo que os Estados Unidos passam a ser modelo para todos os que nutrem projetos ultranacionalistas, xenófobos e isolacionistas mundo afora. Nada mais falso, uma vez que a sociedade norte-americana, mais de uma vez, provou ser extremamente resistente aos males que periodicamente acossam a democracia.

Trump chega ao poder com um discurso de ódio a tudo o que não seja “americano”, uma idealização sem conexão com a realidade, uma vez que os EUA são historicamente um país de imigrantes. Mas a realidade é irrelevante para Trump, que, a exemplo dos populistas europeus nos anos 30, promete restabelecer a todo custo a “era de ouro” dos Estados Unidos – uma era imaginária que vincula a prosperidade americana à negação violenta de seu espírito democrático. Resta esperar que o mentiroso seja apenas isso: um mentiroso – que minta também sobre o que disse que faria uma vez no poder.

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