Um novo estudo publicado hoje oferece uma resposta um pouco mais complexa, pois demonstra que os plásticos cheiram exatamente como a comida de que se alimentam as aves marinhas. O trabalho se concentrou no grupo das procelariformes, que inclui albatrozes, petréis e pardelas. Essas espécies têm um olfato afiado para que o dimetilsulfureto (DMS), um composto bioquímico que segrega o fitoplâncton em decomposição e que lhes indica o ponto em que há alimento. O composto é um dos principais responsáveis pelo cheiro de mar e tem um papel chave no clima.
Uma equipe de pesquisadores da Universidade da Califórnia em Davis (EUA) demonstrou que, depois de menos de um mês flutuando em águas marinhas, os plásticos mais comuns começam a emitir dimetilsulfureto. Também demonstrou que esse composto está diretamente relacionado à ingestão de plástico por parte das aves marinhas. Seu estudo, publicado na revista Science Advancesmostra que as espécies analisadas são cinco vezes mais propensas a engolir plástico do que outras que não conseguem cheirar o DMS.
Todo ano, os seres humanos jogam ao mar oito milhões de toneladas de plástico. A maioria chega ao mar vinda da Terra, em parte pela falta de reciclagem. Mais de 200 espécies de mamíferos, peixes, aves e tartarugas consomem esses resíduos que obstruem o trato digestivo dos animais e são tóxicos em alguns casos. Por exemplo, um estudo publicado este ano afirmava que os microplásticos estão intoxicando alguns peixes do Báltico e poderiam explicar o declínio de algumas espécies de interesse pesqueiro. No ritmo atual de contaminação dos mares, 99% das aves marinhas terão ingerido plástico em 2050, ressalta o novo estudo.
“Os tipos de plástico que analisamos são usados em muitos dos produtos que consumimos, garrafas de água, isqueiros, escovas de dentes e muito mais”, explica Matthew Savoca, coautor do estudo. O pesquisador ressalta que “as aves marinhas não são as únicas que usam o DMS como sinal olfativo para se alimentar, também há peixes, incluindo o tubarão baleia, e tartarugas que fazem isso”, afirma. Em mamíferos está menos claro, apesar de “haver evidências de que algumas focas podem detectar o DMS”, acrescenta Gabrielle Nevitt, coautora do estudo, “e sabemos que esses animais têm um olfato excelente” , ressalta.
Um dos casos mais evidentes é o dos albatrozes das ilhas Midway, no Pacífico, que engolem os plásticos acidentalmente ao mergulhar na água para capturar suas presas. “A situação é especialmente crítica nessas aves, porque os filhotes são incapazes de regurgitar a comida dada por seus pais e acabam morrendo com o estômago cheio de plástico”, explica Jacob Gonzáles-Solís, pesquisador da Universidade de Barcelona. O fotógrafo Chris Jordan documentou o problema com fotografias impressionantes de corpos de filhotes com o estômago cheio plástico.
Em 2014, González-Solís publicou uma análise do consumo de plásticos nas três espécies de pardelas endêmicas do Mediterrâneo, incluída o balear, a ave mais ameaçada da Europa. “Os dados mostram que entre 60% e 80% das aves têm plástico em seus estômagos”, explica o cientista. Para o biólogo, o próximo desafio é verificar “qual é o impacto real dos plásticos nos organismos marinhos”.
O novo estudo demonstra que a intoxicação é mais complexa do que se pensava (não se trata tanto da visão, mas do olfato) e que é mediada por sinais bioquímicos que as aves evoluíram para conseguir captar inclusive em pequenas concentrações. “É um engano ecológico”, resume o biólogo da UB. Depois de algumas semanas no mar, os plásticos se cobrem de organismos microscópicos que começam a produzir dimetilsulfureto e assim atraem as aves. Não é que confundam com comida: é que é comida, mas contaminada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário