Parque Farroupilha, década de 1960 |
As aulas do curso de arquitetura se desenvolviam em dois turnos cheios, diariamente, pela manhã e à noite. Durante a tarde, eu trabalhava. Portanto, o caminho que acabei de descrever foi percorrido por mim durante cinco anos, quatro vezes por dia, inclusive no turno da noite, que se encerrava por volta das 23 horas. Aos sábados, como frequentador das reuniões dançantes da faculdade e dos bailes da Reitoria - que se situava exatamente na ponta do triângulo - o retorno à casa e ao leito ficava lá pelo meio da madrugada. Eu andava por esse deserto caminho, diariamente, a pé e só!
Não estou narrando um fato excepcional, um caso raro de sobrevivência na selva urbana, nem se intua dele qualquer proteção especial que credencie meu anjo da guarda a uma medalha de honra ao mérito (ainda que ele as mereça, e muitas, por outros motivos). Tratava-se de algo absolutamente normal, seguro. Tão seguro, leitor amigo, que em momento algum, ao longo desses cinco anos, suscitou a mais tênue preocupação, seja em mim, seja em dona Eloah, a mais zelosa e preocupada das mães desta província.
O que aconteceu com nosso país em meio século foi um desastre demográfico, social, econômico, político e moral. Engana-se quem imagina que seja assim em toda parte. Não, não é. Tenho periódicos reencontros com essa segurança em outros países, quando em férias. Neles não renovo mais a pergunta que algumas vezes fiz, indagando aos "nativos" se era seguro passear em determinado parque ao fim da tarde, ou ir a pé até tal ou qual restaurante à noite. O espanto que a indagação causa me constrange profundamente. Tanto quanto me entristece saber que nos rendemos de modo incondicional aos males que nos afetam. E o fizemos em nome de uma tolerância sem virtude, de uma liberdade sem rumo e de um progresso falido.
Percival Puggina
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