quinta-feira, 5 de maio de 2016

O momento exige precisão e parcimônia no uso das palavras

Para quem lida com palavras, mesmo para os que não têm a escrita como hábito ou profissão, todo cuidado é pouco. O escritor Otto Lara Resende advertia que “as palavras sangram, elas são sangrentas”.

Busco sempre a clareza para transformar em letras, jamais em sangue, o que penso. Ontem, ao me assentar à mesa da máquina de escrever, de saudosa memória, ou, hoje, ao me aventurar diante do computador, acendo logo uma luz amarela: devo ser verdadeiro, mas também elegante. O leitor, parceiro e, claro, crítico de quem arrisca opinião sobre assunto tão difícil (como é a política), qualquer que seja o veículo, não é nem desaguadouro de mágoas, nem muito menos lixeira.

Quando digo, leitor, por exemplo, que o governo Dilma acabou, não estou exagerando nem muito menos sendo grosseiro. Isso ressalta-se aos olhos de quem quer enxergar. A reação a essa afirmação, da presidente e de alguns de seus defensores, preocupados com o que de ruim o futuro lhes reserva, só reforça a tese de que o desespero tomou conta de todos. Dissentir é da natureza humana, mas a presidente e seus defensores ultrapassaram os limites. Tornaram-se patéticos. E, no caso do advogado José Eduardo Cardozo, estou convicto de que ele se arrependerá do triste papel que vem fazendo em defesa do indefensável.

Quando aceito o impedimento da presidente Dilma como recurso legal e legítimo, previsto na Constituição, não estou sendo golpista nem estou dizendo que ela é uma criminosa. O crime de responsabilidade não tem nada a ver com os crimes comuns, tratados no Código Penal. Seu impedimento não a levará para a cadeia, pois, na verdade, trata-se de uma infração político-administrativa. E seu julgamento, depois de aceito por dois terços dos votos na Câmara Federal, será feito pelo Senado Federal e não exige prova de atos de corrupção.

À maneira do poeta Ferreira Gullar, que escreve semanalmente (aos domingos) na “Folha de S.Paulo”, “surpreendo-me com a reação de pessoas reconhecidamente inteligentes e bem-informadas, em face da crise pela qual passa o país neste governo. Não é que não tolere – longe de mim tal propósito! – suas opiniões contrárias à minha, e sim os tipos de argumentos que adotam, contrários aos fatos e aos princípios constitucionais que regem nossa vida política e social”.

A mim intriga, enfim, sobremaneira, a manifestação de alguns intelectuais, juristas ou não, sobre o impedimento. Repetem o mantra “não vai ter golpe” e negam o crime de responsabilidade. Fico imaginando uma situação inversa, isto é, Dilma vice e Temer na Presidência. Já imaginou, leitor, o que fariam o PT e seus aliados? Transformar-se-iam em feras e usariam quaisquer armas. Ou não foi assim que agiram em favor do afastamento do ex-presidente Fernando Collor, com quem, depois, fizeram as pazes? E olhe que, como disse o jornalista Ricardo Noblat em sua última coluna em “O Globo”, se comparado à operação Lava Jato, “Collor não passou de um trombadinha, desses que atacam mulheres indefesas no meio das ruas”.

Se a situação fosse inversa, qual seria a reação do PT diante de uma proposta de eleições diretas, por meio da apresentação de uma PEC inconstitucional, como a que estaria para ser apresentada pela presidente logo depois da admissibilidade do impedimento no Senado?

Obediência severa à Constituição é o caminho para se estancar a crise. Impedida a presidente, assume o vice. Cabe a este uma missão histórica. Em pouco tempo, saberemos se estará à altura dela.

Quem viver, verá.

Acílio Lara Resende

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