domingo, 1 de maio de 2016

Escola pública: comunidade zumbi

Quem dera se fosse dos Palmares... Pelo menos faríamos história, deixaríamos marcas culturais, lutaríamos por ideais. Mas falo de mortos-vivos. Dos que assombram construções em ruínas, dos que vagam por pátios, sem rumo nem interesse por nada. Dos que vão trabalhar como se fossem a um matadouro. Dos que preferem morrer a estudar. É disso que falo: do cemitério terrível que a comunidade escolar se transformou na sua grande maioria, mesmo que aqui e ali ilhas de excelência nos emocionem em reportagens especiais. Especiais, pois no geral é o caos.

Querem a receita para criar um país de mortos-vivos? Sangrem a escola, suguem as almas dos professores, tirem a autoridade deles de forma lenta e gradual, de preferência torturando-os com salários aviltantes, impondo períodos de trabalho forçado, desumano e com requintes de sadismo, atrase seus proventos. E, melhor, tirem deles instrumentais mínimos, como ambiente decente, tecnologia mínima, tempo para reciclagem, reconhecimento do trabalho domiciliar para preparar aulas e corrigir tarefas e provas, deixando de remunerá-los para tanto. 


Acrescente turmas cada vez maiores, na mesma proporção em que são desinteressadas e hostis. Coloque-os no paredão de fuzilamento de conflitos com os pais e os imprense às exigências de ter ranking nos testes tipo Pisa, Ideb, Enem, e por aí vai. O que sobrar, esprema e envie por Sedex ao primeiro sanatório que ainda existir.

Pobres (literalmente) professores, para-choques de todos os males que a sociedade cria. Testemunhas de violência doméstica, abusos, devastação das drogas, degradação sócio-econômica, desfazimento dos tecidos familiar e social. E vítimas de tudo isso, angustiados e impotentes. Ameaçados e sequestrados pela falência da moral, da ética, dos princípios elementares.

E os pais? Desmoralizados e atropelados pela inabilidade tecnológica, desprezados por seus filhos egoístas e indiferentes, exigentes e autistas, movem em meio à chantagem emocional, às culpas, à falta de tempo e de dinheiro, sonhando com um futuro para seus filhos que no fundo nunca será como esperado. Reclamam da escola, com e sem razão, mas mal conseguem trocar meia dúzia de palavras ou impor regras, disciplina e limites. Aguardam que na escola isso ocorra. Santa ingenuidade!

Alunos? Quem? Considerando que recentes pesquisas mostram que quase dois em cada três “odeiam” estudar, acham desinteressante, preferem ficar conectados ao seu smart, não percebem valor no conteúdo escolar em sua vida prática ou simplesmente não entendem o que o professor fala ou não prestam atenção. Em média, se dispersam após 5 minutos de aula. Têm distúrbio de sono de forma média a severa mais de 60% dos estudantes entre 12 e 18 anos, o que compromete memória, atenção, promove irritabilidade, nervosismo e agressividade. Uma noite sem dormir para crianças e adolescentes (em baladas ou viciados em telas) é altamente lesiva ao cérebro, duas noites numa semana são avassaladoras. Será a futura geração do Alzheimer precoce.

Faltou alguém? Sim, os funcionários de escolas. Esses fundamentais e pouco lembrados porteiros, pessoal das secretarias e da administração, o pessoal da merenda, os supervisores de pátios, serviços gerais. Heróis anônimos, que mantêm um mínimo de ordem e sanidade nesse espaço caótico. Meu Deus! Que esse filme seja uma ficção. Que algo pulse no coração da sociedade para que possamos retomar a consciência cívica. Que a lucidez ilumine a mente dos que detêm o poder para que um mínimo de bom senso brote de uma verdadeira liderança. Que a alma que habita cada um de nós entre no espírito coletivo e faça uma revelação tão gritante quanto imperceptível: que traga, para a sobrevivência da comunidade escolar, a esperança de novos tempos!

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