Eis uma pérola da sabedoria tradicional, ressuscitada pelo inconsciente do ministro-chefe da Casa Civil, o lulopetista Jaques Wagner, numa entrevista concedida à “Folha de S.Paulo” no dia 3 deste tenebroso janeiro de 2016. Ao lado da entrevista da presidente, no dia 7, elas dão uma medida clara da nossa lambuzagem.
Estamos vivendo um clima de magia. O Brasil deixa de ser o “jambon” de Lima Barreto, para virar o mel de engenho sorvido à indigestão, pelos gerentes-gatunos do lulopetismo em todo o lugar. Esses passes de mágica, contudo, não aliviam. Pelo contrário, dão a toda pessoa responsável uma enorme e nada poética vontade de se matar. Coelhos e lambuzados são hoje, vejam o tamanho da desonra!, os emblemas de um Brasil que se suicida.
Como um estruturalista canhestro, embora pioneiro, não posso deixar de observar que o ditado invocado por Jaques Wagner desvenda os tabus de um governo manifestamente desenhado para o povo mas que, em latência, lambuzou-se como jamais se viu na história do capitalismo no melado do poder, tal como o poder é vivido no Brasil.
Quando um escolado político menciona numa entrevista que “Quem nunca comeu melado, quando come se lambuza”, usando o ditado como uma metáfora para ocultar o comportamento injurioso do governo, ele sem querer entrega o inconsciente do lulopetismo.
Cabe a indagação: como um comentário tão politicamente (in)correto saiu de um petista tão consciente da sua (in)correção? Eis uma entrevista digna de um Pedro Malasartes — esse padrinho de todos os Macunaímas e malandros nacionais — hoje promovidos a canalhas.
Além de ser uma verdade, a invocação do ministro revela — no momento em que escrevo, leio que J. Wagner está envolvido em mais uma familiar troca de pixulecos — um preconceito aristocrático. Ela diz que quem está fora de sincronia com sua posição social lambuza-se. Acaba, como afirma o ministro, reproduzindo “metodologias” fora de lugar.
Comer melado, labuzando-se, tem no nosso vasto almanaque de preconceitos reveladores de um viés hierárquico o claríssimo: “X ou Y — você leitor, define o sujeito — quando não caga na entrada, caga na saída!”
Os ditados bradam por um limite social para quem pode estar no poder. Como os que tudo sabem e, tendo o direito de comer mais do que podem, dão um passo maior que as pernas e lambuzam-se. Na sua folclórica defesa, o ministro admite que o PT assim procedeu e hoje paga o preço por esse descuido depois de 14 anos de poder!
Uma fome insaciável de mel, confirma a falta de modos à mesa. Em política, essa fome insaciável denuncia os que têm “um olho maior do que barriga” típico dos corrompidos. Num caso, querem todo o melado; no outro, quase (espero!) compraram a República.
Lambuzar-se no mel do poder (ou do poder comido como mel) é (e eu tenho afirmado isso faz tempo) uma manifestação do governar à brasileira. O besuntar-se mostra como o poder é usado, abusado e possuído por um grupo que — como “governo” — dele se utiliza como bem entende, familisticamente. Raymundo Faoro acertou na mosca ao falar em “donos do poder”. Entre nós, o poder, como o mel descrito e analisado por Lévi-Strauss nas suas “Mitológicas”, é um poderoso adoçante associado ao mundo sobrenatural.
Os méis ricos em levulose de certas abelhas, possuem — observa Lévi-Strauss no seu livro “Do mel às cinzas” — sabores tão marcantes que se tornam quase intoleráveis. Um gozo mais delicioso de que qualquer um daqueles proporcionados habitualmente pelo paladar e pelo odor perturba os liminares da sensibilidade e confunde seus registros. Já não sabemos mais — como redescobre o nosso Wagner, o “compositor” — se degustamos ou se ardemos de amor. Mas, como contraponto, há também méis alcalinos que são laxantes e perigosos! Produzidos por abelhas “feiticeiras” ou “vamo-nos embora”. Eis uma minúscula amostra da sabedoria de um especialista em olhar distanciado a elucidar o olhar próximo, possessivo e ávido do ministro, que admite como o seu partido queria extrair toda a doçura do poder mas, infelizmente, lambuzou-se.
A metáfora revela-se muito mais correta do que imagina a nossa vã ignorância. O mel de pau, a ser procurado na floresta e o melado de cana produzido por braço escravo nos engenhos baianos são tão gostosos que sobrepujam o comedimento, o pudor e a honestidade. Doces e sedutores eles, porém, melam e grudam, denunciando a sofreguidão dos seus comedores.
Não é, pois, por acaso que o mel natural dos ameríndios tem laços com o jaguar e com o fogo civizatório da cozinha que lhe pertencia. Já em outros mitos, seu paladar extraordinário delata uma insaciedade a ser punida porque ultrapassa os limites da decência.
O mel, como o poder, pune o lambuzado, conforme confirma o ministro lulopetista que hoje entra, como mais um papa-mel, na mira das procuradorias republicanas.
Roberto DaMatta
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