sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

O descaso e o mosquito

Confirmam-se tristemente as calamidades atribuídas ao mosquito Aedes aegypti. Originário da África, se insinuou nas zonas urbanas do Brasil facilitado pelo descaso público e pela fragilidade de seu enfrentamento. Seria suficiente eliminar acúmulos de água limpa, que é o ambiente onde pode reproduzir-se o mosquito. A inconsistência das medidas para erradicá-lo transformou o país num campo devastado pelo mosquito. Além do medo da violência, do desemprego, hoje se soma o medo do contágio, que pode se insinuar em qualquer ambiente a qualquer momento e fazer vítimas inocentes.

Ao mosquito é suficiente água limpa, sem matéria orgânica em decomposição e, portanto, sais que lhe confeririam características ácidas inutilizando os ovos depositados. Para ter condições de se desenvolver, precisa ainda de sombra, que evita a exposição excessiva aos raios solares. Para se alimentar ou realizar sua hematofagia (sugar sangue através da pele de seres humanos e animais), o mosquito pode percorrer até 2.500 metros. É vetor de doenças graves, como a dengue, febre amarela, zika vírus e chikungunya, e, por isso mesmo, é assunto de extrema importância para a saúde pública. As doenças que ele dissemina debilitam, contaminam, matam. Já perderam a vida milhares de pessoas nos últimos anos, e muitos ainda a perderão enquanto ele não for erradicado.


Mais recentemente acabou sendo detectada a relação entre as doenças disseminadas pelo mosquito com a microcefalia infantil, que se constatou em recém-nascidos de mulheres que sofreram contágio. A microcefalia vem se manifestando com maior intensidade exatamente nos municípios do Nordeste, que, além de clima propício à reprodução do Aedes aegypti, enfrentam o pior IDH do país. Quanto maior é o abandono de entulhos, resíduos sólidos, mais mosquitos se encontram e mais avançado é o estado de gravidade do controle das doenças relacionadas ao Aedes aegypti.

Com isso se dá sinal à reprodução nas acumulações de água pluvial. Quem permite essa condição é culpado de uma imperdoável conduta prejudicial e antissocial.

Mesmo com as exaustivas campanhas para disseminar o conhecimento das condições de reprodução do “mosquito da dengue”, ainda existem milhões de pessoas que não absorveram o recado. Não entenderam que apenas um esforço de todos ao mesmo tempo poderá enfrentar o drama, o sofrimento e a perda de vidas humanas.

Continua-se a abandonar em áreas o que serve ao mosquito para se reproduzir. Sua difusão representa a esta altura o menosprezo do ser humano com sua espécie.

Para piorar o quadro, chegou agora a crise econômica, que determina aos municípios cortes de despesas. Nessa conjuntura, as ações de limpeza se enfraqueceram ainda mais. Nota-se, como nunca, que as áreas urbanas são tomadas de entulhos, descartes domésticos, coisas sem utilidade e valor. Os canteiros se transformaram em depósitos de milhões de toneladas de lixo, que monumentalizam a falta de maturidade geral.

Existe, desde 2010, a Lei 12.305, que dispõe sobre a responsabilidade dos resíduos sólidos. Quer dizer responsabilidade com a recuperação do material, evitando degradação ambiental, e, sempre que possível, o reúso ou a reciclagem do material.

A lei fica mofando, pela falta de vontade política. Apenas com a retirada de pneus e seu reúso na forma de matéria-prima se implantaram ações, mas para inglês ver, pois na beira das estradas o acúmulo de pneus é assustador.

Além dos pneus, que na prática demoram dezenas de anos, se somam hoje as carcaças de veículos. Existem no país milhares de desmanches, que retiram as peças e as revendem, largando e empilhando as carcaças, últimos resíduos de alto custo de fragmentação.

Apenas na região metropolitana de Belo Horizonte existem cerca de 20 mil carcaças ao relento, resultado de desmonte e abandono. Nos municípios que registram os piores índices de contágio provocado pelo Aedes aegypti, os carros mais velhos acabam rodando seus últimos quilômetros para serem, em seguida, depenados e reduzidos a carcaças que não têm qualquer viabilidade econômica. Custa mais fragmentá-las com meios artesanais de quando se consegue com a venda a peso desses restos.

Enquanto não se realizar uma ação pública em larga escala e em todo o território nacional, o mosquito continuará a se reproduzir em pneus e carcaças de veículos, devastando a saúde de milhões de pessoas.

Recentemente elaborei uma proposta e um projeto de lei que ofereci ao governo. Nele se gera a premiação, com recursos financeiros, às prefeituras que recolherem carcaças de carros e de pneus e os encaminharem a centros de reciclagem. Certamente cada cidadão tem que assumir suas responsabilidades, mas, enquanto não determinar um plano de enfrentamento, o avanço das doenças (e das malformações) continuará a aumentar sem qualquer controle.

Não há tempo a perder.
Vittorio Medioli

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