Nos últimos anos, a imagem do Supremo esteve abalada pelos equívocos primários que foram cometidos no julgamento do mensalão (Ação Penal 470), quando a maioria dos ministros aceitou ressuscitar os embargos infringentes, que tinham sido extintos na reforma do Judiciário. A alegação era de que esse tipo de recurso ainda constava no Regimento do Supremo, que, por distração ou preguiça, não havia sofrido adaptação.
Outro erro inacreditável, orquestrado pelo ministro Ricardo Lewandowski, foi a invenção da organização criminoso autônoma, que funciona sem formação de quadrilha, vejam a que ponto chega a criatividade jurídica no Brasil. Por isso, hoje podia-se esperar de tudo na sessão do Supremo sobre o impeachment.
Nesta histórica quarta-feira, porém, o novato ministro Edson Fachin recolocou nos trilhos a locomotiva jurídica do país. De início, recusou o extravagante pedido de defesa prévia arguido pela Advocacia-Geral da União, pelo PT etc. e tal. “Ausência de defesa prévia não viola o devido processo legal”, sintetizou.
Com impressionante rigor, em seguida o relator indeferiu os pedidos que denunciavam suposta parcialidade do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, na aceitação do pedido de impeachment. E foi derrubando, um a um, os demais esdrúxulos argumentos dos “juristas” do Planalto & Cia Ltda.
Fachin disse que é necessário fazer uma “filtragem” da Lei do Impeachment à luz da Constituição, mas ressalvou que não é encargo do Supremo editar a matéria.
Reconheceu o direito de haver chapa avulsa na escolha da Comissão Especial do Impeachment. “Não cabe ao Judiciário tolher opção legitimamente feita pela Câmara dos Deputados”, reforçou, acrescentando que, apesar de publicidade ser regra geral, a própria Constituição prevê sigilo em votações.
“Não há ofensa à Constituição no fato de regimento da Câmara propiciar votação secreta”, salientou, ao dizer que não compete ao Judiciário interpretar o regimento interno de um outro Poder da República.
Fachin considera que a Lei do Impeachment (Lei 1079/50) está adequada materialmente à Constituição, ou seja, que os crimes de responsabilidade ali previstos estão em consonância com as hipóteses constitucionais. Porém, o ministro considera que processualmente é preciso fazer uma adequação, sobretudo quanto às competências conferidas a cada uma das casas legislativas no processo e concretização do impeachment.
Considerou também aplicável o Regimento Interno da Câmara dos Deputados de forma subsidiária à Lei 1079/50, desde que esteja adequado à Constituição e sem impedir o exercício de direito de defesa.
O relator entrou, então na fase final do processo do impeachment, quando a Câmara vota a favor ou contra a acusação, para enfatizar que, mesmo que a Câmara tenha aprovado a acusação, o afastamento do presidente por 180 dias somente acontece após a instauração do processo de impeachment no Senado.
Chegou a hora de abordar o tema mais polêmico e Fachin então observou que não há previsão legal de que não compete ao Senado rejeitar a autorização da Câmara para abertura do processo de impeachment. Ou seja, a seu ver, o Senado deve funcionar no processo do impeachment como um tribunal revisor, que pode ou não aceitar a decisão da Câmara.
Essa posição de Fachin parece clara e procedente. Afinal, se a decisão da Câmara fosse realmente imutável (como pretendem Eduardo Cunha e o deputado Miro Teixeira, que representou a Câmara no julgamento) não haveria necessidade de a Constituição mandar o Senado se reunir, reanalisar as provas e realizar nova votação nominal. É elementar…
Isso tudo, apenas na teoria. Porque na prática, o que existe é o seguinte: quando a Câmara aprova a acusação do impeachment, o presidente já está tão desgastado que é melhor pedir logo o boné, como Collor fez em 1992. O resto é folclore.
Parabéns ao ministro Edson Fachin. O senador Álvaro Dias (PSDB-PR), grande defensor da indicação dele, realmente tinha razão. Trata-se de um jurista de primeiro time.
Carlos Newton
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