O Brasil não atravessa apenas uma crise: vivemos uma desarrumação de que, se não cuidarmos, vai nos levar para uma decadência.
Nos últimos 12 meses, a moeda brasileira desvalorizou cerca de 50% em relação ao dólar, e os preços internos cresceram a 10%. A visão técnica chama isso de desvalorização e inflação; na verdade, é uma profunda desarrumação nacional. Desestrutura o sistema de trocas: os empresários aumentam os preços; os salários caem, os trabalhadores fazem greves; a economia entra em uma ciranda caótica, e todo o sistema de relações da economia se desarruma, como véspera do caos.
A economia brasileira está desarrumada pelo tamanho da dívida e os consequentes juros exorbitantes, pela falta de regras jurídicas estáveis, pela escassez de mão de obra qualificada, pela baixa capacidade de inovação, pela falta de perspectiva e planejamento no médio e longo prazos, pelo alto custo derivado da infraestrutura obsoleta e ineficiente, pelo atraso em relação à economia do conhecimento. Uma desarrumação que levará à decadência.
O Estado brasileiro é um exemplo de desarrumação: no caos da política, na generalização e profundidade da corrupção, na desorganização, burocracia, política salarial sem critério, salvo como resposta às pressões corporativas. As finanças públicas de União, estados e municípios, como das estatais, estão totalmente desarrumadas.
A violência domina as ruas de nossas cidades, desarrumando a vida urbana: o número de mortos, o medo de ir às escolas e aos restaurantes, de tomar o ônibus são provas de algo mais profundo do que a simples afirmação de insegurança. As ruas das cidades do Brasil estão desarrumadas também pelo trânsito caótico, a pobreza, o transporte público ineficiente.
A democracia convive com greves. Mas quando elas se sucedem com frequência e se espalham por todos os setores e demoram longamente, o país vive uma desarrumação. O sistema educacional brasileiro, especialmente o público, está desarrumado pelo quadro quase permanente de violência dentro das salas de aula, a desmotivação dos professores, a falta dos equipamentos necessários, a desatenção dos alunos, o descuido dos pais e dos governos.
O sistema de saúde pública do Brasil está desarrumado. Não é uma questão de falta de recursos financeiros, é desordem gerencial, descumprimento de obrigações.
O papel de um novo governo será arrumar o Brasil para criar as bases de seu futuro como nação eficiente e justa no mundo da economia e da sociedade do conhecimento; corrigindo o desajuste fiscal, acabando com a corrupção e criando e respeitando o marco jurídico, montando as infraestruturas física, educacional, cientifica e tecnológica que o futuro exige. Mas o caos da desarrumação não nos permite esperar: desde já é preciso que as lideranças nacionais, independentemente de partido e de cálculos eleitorais, se encontrem, com o propósito de arrumar o Brasil.
Cristovam Buarque
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