domingo, 15 de novembro de 2015

A tragédia mineira

Depois do desastre, de gravidade sem precedentes, que devastou o município de Mariana e todo o Vale do Rio Doce, instala-se naturalmente o processo para se encontrarem as causas e se determinarem responsabilidades.

O descarte de minério descendo em avalanche decretou a morte de dezenas de pessoas, a extinção de povoados históricos, arruinou centenas de famílias, de propriedades rurais, a fauna e a flora que povoavam a região, símbolo dos primórdios de Minas.

O estrago revolta até o olhar mais insensível. Os danos difíceis de se quantificar, a recuperação impossível e irreparável, atingindo diretamente grande parcela da população do Estado, chocaram o mundo inteiro. E a pergunta: como é possível que um Estado de vocação extrativa, que já teve vários desastres decorrentes da mesma causa, volte a protagonizar um espetáculo tão avassalador?


Os dejetos da mineração, acomodados numa bacia de contenção da Samarco, são resultado da produção ininterrupta de minério de ferro, ao longo de 40 anos de extração. A bacia foi estudada inicialmente com segurança para abrigar as sobras não comercializáveis da extração, sofreu seguidas expansões de capacidade determinando a elevação do nível para conter camadas originadas pela crescente produção de pelotas de minérios que são levadas por minerodutos até o mar.

Os últimos anos fizeram da Samarco, controlada pela Vale, a principal fornecedora de pelotas de minério do mundo. Evidentemente, foram subestimados o risco representado pela elevação da cota e a condição em que se estabilizariam milhões de toneladas de resíduos.

Abaixo da barragem não foram erguidas barreiras suplementares de contenção que pudessem atenuar um possível rompimento ou dar vazão a uma emergência. Confiou-se que a barragem fosse sólida e suficiente por si mesma.

Para atenuar responsabilidades, foram apresentadas hipóteses, como a de abalos detectados por sismógrafos em Brasília na hora do rompimento das duas barragens. A região de Mariana, entretanto, é considerada estável e sem terremotos. A informação pode, assim, ser interpretada em duplo sentido. O primeiro deixa entender que um tremor de terra de intensidade de 1,5 grau na escala Richter gerou a quebra da barragem, coincidindo com o horário da falência da encosta. Mas também deixa livre a interpretação de que o movimento de milhões de toneladas provocado pelo estouro da represa se gerou concomitantemente com a avalanche ocorrida no local. A descrição dada pelos sismógrafos certamente pode esclarecer o ponto de origem, se foi proveniente do subsolo ou da avalanche e de sua queda sobre o vale.

A intensidade de 1,5 grau do abalo registrado não representa, via de regra, impacto suficiente para abalar uma estrutura elástica como uma barragem.

A falha mais plausível recai nos projetos de ampliação, que poderiam ter elevado em excesso o nível da sedimentação dos dejetos. Quanto mais alta, mais crítica ficou a barragem, numa cota muito elevada em relação a sua base.

Nos últimos 15 anos a extração se acelerou, ditando novas ampliações para acolher descartes da extração mineral. A Samarco passou do ponto de segurança, entrou numa faixa de risco elevadíssima, com autorização e fiscalização públicas. A responsabilidade não só é de quem executa, mas de quem autoriza e fiscaliza.

Num Estado em que os empreendimentos agrícolas e agroindustriais recebem tratamentos de controle ambiental pontualmente burocráticos e punitivos, apesar da ausência de riscos, eles se arrastam por anos e passam por etapas inconsequentes. Não dá para entender como, ao contrário, as bilionárias mineradoras têm seus projetos aprovados ao arrepio da lei, a toque de caixa, deixando no rastro estragos que se repetem com imperdoável frequência.

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