Na democracia, o poder de governo repousa sobre a legitimidade, um conceito eminentemente político, e a legalidade, um conceito político-jurídico. Dilma Rousseff perdeu a primeira, mas ainda se equilibra sobre a segunda, que só pode ser anulada pelo Congresso ou pelo Judiciário. Razões legais para o impedimento estão quase disponíveis, pela invocação oportunista das "pedaladas fiscais" ou pelo poderoso argumento da contaminação de sua campanha com recursos desviados da Petrobras. Amanhã, será testado o grau em que a aplastante rejeição à presidente se traduz na forma de mobilização popular. Contudo, mesmo se as ruas forem tão numerosas quanto no 15 de março, hipótese permeada de incerteza, ela tem uma chance nada desprezível de sobreviver. É que a elite política teme as alternativas.
"Ninguém vai tirar a legitimidade que o voto me deu", disse Dilma, imaginando a legitimidade como um atributo perene, não uma relação instável. Sua legitimidade evaporou em semanas, sob a dupla fervura do estelionato eleitoral e do escândalo do petrolão. Junto com sua popularidade, a catástrofe destroçou a base parlamentar do governo, gerando uma crise política que agrava a crise econômica herdada do mandato original. Desse caldo, não de uma conspiração malévola, nasceu a iniciativa de Michel Temer, que deu um passo à frente e se apresentou como "alguém" com a "capacidade de reunificar a todos".
Abrir a "porta Temer" seria simples e rápido, exigindo apenas uma condenação do TCU e a confirmação do Congresso (ou o atalho anestésico da renúncia). Entretanto, a solução esbarrou na ausência de um consenso político mínimo. Na interpretação corrente, e vulgar, que não deixa de captar a superfície do fenômeno, o impasse refletiu as mesquinhas disputas de poder no interior do PSDB e do PMDB. Mais embaixo, porém, encontra-se a raiz do problema: a elite política teme um governo Temer (ops!).
O paralelo entre Temer e Itamar Franco é impertinente, pois Collor já tinha trilhado a estrada inteira da maldade, enquanto Dilma cumpre apenas a etapa inicial de uma longa jornada. No fim das contas, perguntaram-se os próceres tucanos e peemedebistas, quem se atreveria a sustentar um governo carente de legitimidade eleitoral que, na moldura de uma crise econômica aprofundada pelo fracasso do ajuste fiscal, só teria a opção de fazer o mal?
Por motivos distintos, a "porta Aécio" provoca calafrios singulares em Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Um governo eleito sobre as ruínas do atual seria compelido, pela lógica das urnas, a comprometer-se com a nossa Operação Mãos Limpas. Às voltas com as denúncias colhidas pelos procuradores da Lava Jato, os dois imaculados patriotas depositam suas esperanças no jogo da chantagem com o espectral governo lulopetista.
"Tudo que estamos fazendo tem o objetivo claro de dar condições de entrarmos no novo ciclo de crescimento", declarou Dilma no Maranhão. De fato, pelo contrário, o Planalto já não se ocupa do país, mas apenas de si mesmo: tudo que lá se faz tem o objetivo exclusivo de evitar o impeachment. Mas isso é irrelevante, pois a sobrevivência da presidente deixou de depender da sua ação ou inação. Dilma não conduz mais nada: é a passageira do medo.
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