Foram, de certa forma, "estatizados", limitando-se a caminhar do Estado para a sociedade e não o contrário.
Dir-se-ia que a sociedade civil, sempre maior que o Estado por sinal, passou a ser encarada como um detalhe.
Tanto os setores mais reformadores quanto os mais conservadores possuíam quadros de qualidade. A União Democrática Nacional (UDN) estampava formuladores da ordem de Afonso Arinos de Melo Franco, Carlos Lacerda e Aliomar Baleeiro. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) apresentou nomes como Josué de Castro, Leonel Brizola e Alberto Pasqualini. Pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), havia figuras como Nelson Werneck Sodré, Alberto Passos Guimarães e Luiz Carlos Prestes.
Personalidades como Juscelino Kubitschek e Raul Pilla também enriqueceram de forma notável a vida nacional. A atividade política, dos formuladores aos dirigentes, ficou mais debilitada. Por qual razão?
De um lado, a longa vigência do regime militar, com a criminalização consequente da atividade militante, impediu a participação de toda uma geração, aquela que justamente despontava no horizonte político.
Afinal, foram 21 anos de regime de exceção. A política, para além de se tornar uma atividade perigosa, foi sendo, também, mal vista. Os movimentos estudantis, verdadeiros mananciais de futuros quadros, foram duramente reprimidos e acabaram se retraindo. Mais: o diálogo entre a geração de intelectuais anterior a 1964 e aquela que surgiria depois foi praticamente interrompido, cortado. E o conhecimento se refugiou em algumas esferas universitárias, onde a prática política não era muito valorizada, predominando o chamado "intimismo à sombra do poder"; ou a despolitização e um compreensivo receio. Isso tampouco contribuiu.
Repressão política, exílios e divisões internas fizeram com que parcelas consideráveis do campo democrático fossem alijadas da cena nacional, provocando um recuo da cultura voltada para o interesse público. O surgimento e a legalização, ainda sob a ditadura militar, do Partido dos Trabalhadores não facilitou a retomada desse diálogo: a ação política parece ter começado da estaca zero, na visão de alguns de seus dirigentes. E o fato é que o legado de figuras como Milton Santos, Celso Furtado, San Thiago Dantas, Guerreiro Ramos, Darcy Ribeiro e Leôncio Basbaum, para citarmos apenas alguns eminentes pensadores do Brasil, foi praticamente posto de lado.
Em 1998, eu tive a honra de organizar e lançar o livro Tudo é Política, juntamente com o saudoso Nelson Werneck Sodré. Na apresentação da obra, destaquei a necessidade de retomarmos o fio da meada com a produção intelectual anterior a 1964, até para podermos nos habilitar de fato para um novo projeto de nação.
Desde então, o quadro não sofreu alterações. Infelizmente, continuamos sem projeto. A única tentativa nesse sentido, depois do Plano de Metas, no Governo Juscelino, e das chamadas Reformas de Base, no período Jango, se deu durante o Plano Real, de Itamar Franco. No total, se fôssemos somar todas essas três experiências, teríamos pouco mais de dez anos de respiro. É pouco, muito pouco.
Por outro lado, as mutações no aparelho produtivo fazem com que os partidos tenham dificuldades em armar uma política que leve em consideração o trabalhador de novo tipo que surge diante de nós.
Automação, IA, trabalho por conta própria, tudo isso anuncia uma era diferente. O movimento anarquista, queiramos ou não, foi a face política da indústria de corte mais artesanal. O movimento comunista, a expressão do chão da fábrica. E agora carecemos de atuação e reflexão com base nas transformações que atingem a realidade do mundo do trabalho.
Hoje, existe um certo desânimo frente à situação em que o Brasil se encontra. Corrupção desenfreada, violência espalhada por todos os cantos do país, recuo da cultura pública e do convívio minimamente civilizado entre as pessoas, aumento do número de favelas e moradias precárias, mediocridade reinante em instâncias partidárias, o quadro é desalentador.
Prova suplementar de uma certa mediocridade e estreiteza foi dada pelas recentes manifestações em várias cidades brasileiras colocando o Congresso Nacional como "inimigo do povo". Esta atitude, por ser isolacionista, é extremamente perigosa, revelando uma precária visão política e jogando as forças mais moderadas no colo das forças mais atrasadas. E toda vez que as forças moderadas deixam de ser o fiel da
balança, o fator de equilíbrio, as forças democráticas saem perdendo.
Não teria havido 64 sem a adesão do PSD de Juscelino Kubitschek, que inclusive indicou o vice de Castelo Branco, e tampouco Augusto Pinochet no Chile sem a adesão da Democracia Cristã de Eduardo Frei.
Uma coisa são os congressistas, outra o Congresso Nacional, isto é, a instituição. Convém refletir sobre isso. A distância entre o oportunismo e o sectarismo é, muitas vezes, bem curta.
Viramos completamente as costas à necessidade de nos dotarmos de um projeto de nação cujos eixos principais, a meu ver, passam pelo aprofundamento da questão democrática, pela compreensão do novo mundo do trabalho, pela recuperação da identidade nacional tão abalada e pela incorporação da problemática ambiental também. A Educação e a Cultura têm um papel central nesse processo.
O desafio é imenso. Mas não temos outra opção, se queremos contribuir para um Brasil melhor.
Ivan Alves Filho

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