Há mais de dez anos esse padrão se alterou num punhado de países democráticos. Simulacros de batalhas de vida ou morte impregnaram o cotidiano. Tornou-se hábito denunciar as agendas ideológicas de cientistas, artistas, professores, magistrados, empresários, sacerdotes, esportistas, diplomatas, jornalistas e inseri-las no grande jogo da política. Ganhar eleição virou credencial para bagunçar o coreto institucional e sabotar contratos sociais profundos e longevos.
Como a autoajuda ainda não saiu de moda, arrisco algumas sugestões para atravessar esse período tempestuoso minimizando, quem sabe, as avarias no casco mental.
Brasília é Brasil. Não caia no conto do vigário de que a política se transformou num clube fechado de privilegiados imorais dedicados a esfolar os bons cidadãos na planície. Se você for eleito presidente e seus amigos virarem deputados, senadores e ministros do Supremo, a situação não melhora.
O radical é o conservador de amanhã. A história universal dos agitadores mostra que o espírito da abertura à novidade é espancado tão logo o demagogo molda o governo à sua feição e se cerca de bajuladores. Na oposição a gente faz bravata, disse um sábio político brasileiro. Acredite nele.
Político não é salvador nem exterminador da pátria. A paixonite por um candidato deveria ser encarada e tratada como síndrome aditiva. O ódio mortal também. Em regimes democráticos o pior canalha acerta aqui e ali, e o melhor estadista de vez em quando apronta uma cabeluda. Venere e execre entidades sobrenaturais, não seres humanos.
Política nacional nem sempre salva a lavoura. É mais importante preocupar-se com a instrução que as crianças recebem num raio de 5 km de você do que esgoelar-se pela anistia em Brasília. Governos e burocracias locais fazem diferença em temas cruciais.
Politizar e moralizar tudo é artimanha de preguiçosos e néscios. A despeito das opiniões políticas de García Márquez, Vargas Llosa, Nana Caymmi e Aldir Blanc, um universo estético e artístico com códigos próprios envolve as suas obras. Navegar por ele e nele desenvolver afinidades e críticas faz bem à alma, propicia elevação e gozo. O crápula pode ser sublime, e a vestal, cantar como uma gralha. O que uma celebridade afirmou sobre eleições e candidatos não tem valor especial. Ignore.
Há menos conspirações do que imagina nossa vã ideologia. Maquinações de vilões para destruir o planeta só abundam nos filmes da Marvel. Empresas farmacêuticas não planejam controlar nossos corpos ou evitar que a natureza sozinha nos cure e nos fortaleça. Falta de vacina e de antibiótico pode matar mesmo, e a melhor opção não estará nos florais de Bach, no leite cru, na cloroquina nem na homeopatia.
Valorize o saber, não os sabichões. Procure ser menos conclusivo e mais especulativo ao abordar um campo de conhecimento que mal arranha. Amplie suas informações, aprenda sobretudo a fazer as boas perguntas e a tomar distância de quem posa de profeta para anunciar novidades radicais.
Política é teatro cívico. Os papéis se invertem, inimigos viscerais se tornam aliados, as derrotas e as vitórias nunca são totais nem irreversíveis. Faça como um político, não odeie a ponto de não negociar; não ame a ponto de não contrariar.
Converse com quem você acha que detesta. Teclar é fácil, quero ver dizer barbaridades de uma pessoa na frente dela, num papo individual. Provavelmente vocês descobrirão que estão mal informados sobre as convicções de cada um, que há preocupações e defeitos comuns e que não vale a pena gastar tanta energia com política. Ouça, repense, proponha.

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