segunda-feira, 27 de novembro de 2023

A guerra e a terra

A guerra, retumbante fracasso da Política, é uma severa agressão ao Planeta em contraste com as sábias palavras de Francisco na Encíclica Laudato si, Louvado sejas, cujo subtítulo: sobre o Cuidado da Casa Comum (2015) exaltam os cuidados com a Terra.

O Professor Clovis Cavalcanti, economista ecológico avant la lettre, recomendou uma leitura reflexiva e me disse, feliz, que tínhamos um Papa que compreendera a dimensão do cântico de São Francisco de Assis ao pregar: “a nossa casa comum se pode comparar ora a uma Irmã, com que partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços”.

Que me perdoem os cientistas,, dedicados pesquisadores, notáveis filósofos, pensadores e os bem-intencionados líderes empresariais e políticos, mas o texto papal é insuperável. Revoluciona a base conceitual dos padrões civilizatórios contemporâneos e propõe uma relação fraterna entre o Homem e a Natureza de modo a assegurar equilíbrio e integridade planetária para as novas gerações.


O gatilho da releitura foi um cotidiano repleto de violências da guerra que nos chegam todos os dias, ao vivo e em cores, exemplos do extremo desamor humanitário. A destruição em larga escala do meio ambiente se soma também, às pequenas e grandiosas maldades, criminosas, que vão do corte da árvore, à poluição do ar, à contaminação da água e ao envenenamento da terra como se o papel da natureza se limitasse a alimentar um sistema de produção capaz de atender o consumo desenfreado e a ambição incontida.

Ao lado estrondoso da guerra, também, nos chegam eventos em proporções nunca vistas de enchentes, incêndios, vendavais, calor intenso e frio paralisante, ameaçando o ritmo da natureza e, por consequência, colocando em risco a biodiversidade, a cadeia produtiva e a segurança alimentar.

Ora, não foi por falta de aviso das instituições internacionais e de vozes esclarecidas que o abuso da natureza por uma equivocada dominação humana e o uso desenfreado dos recursos naturais, afetaria o clima, acelerando mudanças e provocando graves emergências climáticas. Tudo com base científica, ignorada pelo obscuro, delinquente negacionismo e desmedida ganância do enriquecimento.

É inegável que as inovações tecnológicas e os avanços da ciência ajudam, a mitigar os impactos, mas estão longe de ser um Deus ex-machina. O verdadeiro poder está na consciência das pessoas; é um impulso de dentro para fora que enxergue uma relação amorável com cada pedaço e cada ser do universo.

Neste desafio de profunda transformação cultural, há uma componente vital: a ética do bem comum. Inviável trilhar este caminho sem a companhia de um regime político que assegure a força da alteridade, da solidariedade, do diálogo e dos consensos. Este regime político é a democracia.

A guerra e a autocracia são inimigas do futuro da Terra.

Neste sentido, o argumento democrático vem sofrendo ameaças em decorrência do avanço da polarização política, do discurso antistabilshment, apropriado pelo populismo extremista. É uma doença que tem sérios sintomas endêmicos. Os aliados da antidemocracia, revela recente e farta literatura política, promovem a erosão das instituições e destroem o regime com os próprios mecanismos que dão sustentação às democracias liberais. Sem tanques, a arma é a cooptação e desmoralização dos mecanismos da representação popular até o capítulo final da captura do poder. A Hungria é um caso exemplar.

A propósito, os autores, Levitsky e Ziblatt, de Como as democracias morrem, (Zahar, 2018) lançaram uma obra atualíssima Como salvar a democracia (publicada no Brasil no dia 17 do corrente mês pela Editora Zahar), com um prefácio comparativo das situações entre o Brasil e os EUA, enfatizando ao longo da obra o fenômeno trumpismo/republicanos e um olhar comparativo da ascensão dos extremismos mundo afora.

De outra parte examinam com acurácia algumas circunstâncias a serem enfrentadas: a banalização do autoritarismo, a semilealdade, atributo dos personagens aproveitadores de qualquer espaço de poder, a tirania das minorias (a reversão da “tirania da maioria”).

E ao constatar a perda de prestígio da democracia, os autores defendem estratégias capazes de lutar contra o perigo autoritário, entre elas, coalizões centristas, democracia militante e defensiva, reformismo institucional, reafirmando que “a cura de todos os males da democracia é mais democracia”.

Sem meias palavras, os autores concluem com firmeza: nossas instituições não salvarão as democracias, temos que salvá-las nós mesmos; ou seremos democracias multirraciais no século XXI ou não seremos democracias.

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