segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

O mundo paralelo dos que não respeitam a própria bandeira que vestem

Nunca se viu algo igual às micaretas bolsonaristas dispersas há mais de mês pelo Sul-Sudeste do País: chacrinhas sebastianistas, a clamar pela volta da ditadura militar, entre outras quimeras abomináveis, como a anulação do pleito que levou o ídolo da seita à derrocada nas urnas, a prisão de ministros, e até mesmo o impedimento da posse de Lula.

Vi a pantomima dos patriotários neofascistas apenas pela internet. Onde eu circulo elas não acampam, e portanto não se expõem a chacotas, aguaceiros e outras doenças além do fanatismo. Nossos telenoticiosos, sabiamente, não lhes dão bola. Estrangeiros ainda riram de algumas imagens inusitadamente absurdas, com os bozoloides implorando a pneus, ETs e às forças armadas que nos livrem de imaginários demônios e recuperem o que afinal já temos – liberdade e democracia – e eles, paradoxalmente, almejam destruir.

Não sei direito o que são, se apenas ingênuos e boçais, se agentes provocadores ideologicamente identificados com a ultradireita, vadios sexualmente descompensados ou baderneiros com pulsão de morte. Suspeito que já constituam uma nova subespécie de homo sapiens: o homo zapiens, mentalmente limitado pela dieta de fake news e teorias conspiratórias de que se empanturram pelas redes sociais.

Embrulhados no “lábaro estrelado”, suas palavras de ordem insurrecionais, suas ameaças (“É guerra!”) e seus refrões (“Deus! Pátria! Família! Liberdade!”) já têm cerca de um século de vacuidade e bolor. Proferidas com o erre retroflexo caipira, perdem todo o vigor que o alemão e o italiano lhes asseguravam.


Curioso por entender um pouco mais do comportamento desses vivandeiros golpistas, consultei o estudo de Michael Shermer sobre os motivos que levam seres racionais a acreditar no irracional, Conspiracy: Why the Rational Believe the Irrational. Aprendi o que pude e não foi muito. O assunto é complexo e em seu índice remissivo Jesus, Maomé, Noé, Nero, Hitler, Freud e QAnon têm lugar cativo.

Sim, Nero. O quinto César protagonizou uma das mais antigas teorias da conspiração. No incêndio que praticamente reduziu Roma a um monte de cinzas, 1958 anos atrás, Nero jogou a culpa nos cristãos, inaugurando um ardil diversionista que os nazistas ressuscitariam ao incendiarem o Reichstag e os milicos daqui no malogrado atentado do Riocentro, ambos ardilosamente atribuídos a subversivos comunistas.

Os soviéticos ainda estavam longe do poder quando na Rússia czarista surgiu e difundiu-se a “mãe” de todas as teorias conspiratórias do século passado, os apócrifos Protocolos dos Sábios do Sião, dando conta da dominação do mundo pelos judeus. Dessa fraudulenta cascata Hitler extraiu sua bíblia ideológica, Minha Luta, e a partir dela criou o nazismo, este sim, não o comunismo, um fantasma mais do que à espreita.

Já suportamos duas ditaduras justificadas pela paranoia anticomunista, também a seiva de tantos outros golpes de Estado e processos inquisitoriais cujo exemplo mais notório continua sendo o macarthismo. Não é de se estranhar que os patriotários do Bolsonaristão tenham ideia fixa no “perigo vermelho”. Sem ele, o presidente prestes a ir embora não teria sido eleito. Nem, por conseguinte, seu vice, que, dia desses, voltou a insistir naquela lorota de que, no levante comunista de 1935, soldados do Exército foram “covardemente assassinados enquanto dormiam”, falsidade jamais comprovada pelos estudiosos do período. E uma de nossas maiores contribuições ao futuro "Livro Guinness de Fake News Históricas".

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