segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Chega ao fim o reinado da primeira família presidencial brasileira

O primeiro diploma superior que Lula recebeu na vida foi de presidente da República em 2002. O segundo, em 2006, de presidente. E o terceiro, logo mais à tarde, outra vez de presidente da República. Ele diz que não será candidato à reeleição daqui a quatro anos. Mas se fizer um bom governo, poderá ser.

O de hoje é o segundo dos três atos magnos do rito democrático no Brasil. O primeiro aconteceu em 30 de outubro passado, quando foi eleito no segundo turno o 39º presidente da República do Brasil. Lula ganhou com 50,9% dos votos válidos. O terceiro ato magno será no próximo dia 1º de janeiro quando ele tomará posse.

Desde a redemocratização do país em 1985, somente um presidente negou-se a transferir a faixa ao seu sucessor, escafedendo-se pela porta dos fundos do Palácio do Planalto – João Baptista de Oliveira Figueiredo, o último do ciclo dos generais da ditadura militar de 64 que suprimiu a democracia por 21 anos.

A democracia foi suprimida sob a esfarrapada desculpa de que o comunismo a ameaçava. O presidente eleito Tancredo Neves baixou ao hospital na véspera de ser empossado. Figueiredo recusou-se a passar a faixa ao vice, José Sarney, porque não gostava dele. Na verdade, foi embora por uma porta lateral.


Filhote da ditadura, afastado do Exército por ter planejado atentados terroristas a quartéis, Bolsonaro quer repetir o gesto de Figueiredo que não fez nenhuma diferença para Sarney. O general recolheu-se ao seu sítio em Petrópolis, reformado de graça por empreiteiras que prestaram serviços ao governo.

Bolsonaro terá melhor sorte: a seu pedido, o PL, partido ao qual se filiou para disputar a reeleição, pagará o aluguel da mansão onde ele pretende morar em Brasília, a montagem de um amplo escritório de trabalho, e suas despesas com viagens. Figueiredo pediu para ser esquecido, e foi. Bolsonaro quer ser lembrado.

Figueiredo deve ser lembrado por três importantes decisões que tomou: deu continuidade à abertura política inaugurada por seu antecessor, o general Ernesto Geisel; proclamou a anistia que permitiu a volta ao país de exilados políticos; e respeitou o resultado da eleição pelo Congresso da dupla Tancredo-Sarney.

Pelo que Bolsonaro quer ser lembrado? Por legar um país com o triplo das armas que tinha no início de 2019? Por receitar cloroquina contra uma pandemia que matou quase 700 mil brasileiros? Por enfraquecer a democracia como nenhum presidente o fez? Por estimular um golpe às vésperas de sair?

O Brasil escapou de uma nova era de obscurantismo ao impedir a reeleição de Bolsonaro. Como estaríamos a essa altura? Com ele a cobrar do Congresso o expurgo de ministros do Supremo Tribunal Federal? “O patriotismo é o último refúgio do patife”, disse no século XVIII o poeta e ensaísta inglês Samuel Johnson.

Na semana passada, ao quebrar um silêncio de quase 40 dias, Bolsonaro exaltou os golpistas acampados à porta de quartéis à espera da fala das armas. Depois, ao chorar abraçado a um menino e diante de devotos que cantavam o Hino Nacional, Bolsonaro não chorou pelo Brasil, mas por ele mesmo e seus filhos.

Chega ao fim o turbulento reinado da primeira família presidencial brasileira, capítulo imprevisto da nossa história que não deixará saudades, só lições.

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