quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Conjunto da obra bolsonarista mais se assemelha a um país-fantasia

Era uma vez um país chamado Brasil, presidido por um capitão chamado Jair Bolsonaro, que deveria comandar a nau pátria até o último dia de mandato, 31 de dezembro de 2022. Só que o capitão sumiu desde que Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito seu sucessor. E o conjunto da obra bolsonarista, entregue a conta-gotas e de má vontade à equipe de transição de Lula, mais se assemelha a um país-fantasia. Fantasia por falido, e falido no sentido múltiplo do termo — financeiro, social, gerencial, moral. A julgar pelos primeiros relatórios de alguns dos 30 grupos temáticos da transição, a desgraceira é monumental. Por enquanto, o impacto nacional decorrente dessa ruína ainda é pouco percebido — nada consegue competir com o feitiço da sucessão de zebras, surpresas e reviravoltas de uma Copa do Mundo. E a do Catar só termina no domingo 18 de dezembro, já às vésperas do Natal. Portanto, na prática, até a posse de Lula no Palácio da Alvorada, o país continuará navegando à deriva. Algum dia, talvez, será possível computar quanto do futuro do Brasil foi perversamente esbanjado ou destruído na era Bolsonaro.


É do jogo político que toda equipe de transição desfie queixas e aponte falhas quanto ao estado real do país que lhe é entregue pela administração anterior. Não raro, para justificar futuros percalços ou não cumprimento de promessas de campanha. Outras vezes, o descalabro é do tamanho da grita. Na transição americana de 2020, a equipe leal ao derrotado Donald Trump ficou os primeiros 16 dias pós-eleição sem sequer atender telefonemas da equipe vencedora de Joe Biden. Muitos funcionários públicos de carreira, temendo que alguns bancos de dados científicos viessem a ser manipulados antes da troca de poder, chegaram a armazenar conteúdos em nuvens fora do alcance trumpista. Jamais na história política dos Estados Unidos ocorreu uma transferência mais envenenada das ferramentas do Estado. Mas Estado havia.

E aqui? Aqui há falência. Os grupos temáticos amontoados pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília, para a elaboração de uma radiografia nacional, parecem atordoados. Há os que engatinham, os que já percorreram meio caminho e os altamente preparados para a tarefa. Todos têm em comum garimpar nos escombros do que já foi um país com políticas públicas.

O testemunho mais contundente da semana veio durante a entrevista coletiva do grupo de trabalho de meio ambiente. Trata-se do grupo dos sonhos de qualquer governo, dada a proficiência e o conhecimento de seus integrantes. Na quinta-feira, o microfone foi passando de mão em mão até chegar a vez de Izabella Teixeira fazer seu resumo.

Formada em biologia e doutora em planejamento energético, ex-ministra do Meio Ambiente nos governos Lula e Dilma Rousseff e coringa das Nações Unidas para a crise climática, quando essa servidora pública fala, a gente presta atenção dupla. Até porque sua voz de contralto é forte. (Seria até impiedoso imaginar um debate entre ela e Ricardo Salles — aquele que ocupou a mesma cadeira no governo Bolsonaro e dela foi exonerado após acusações de envolvimento em exportação ilegal de madeira da região amazônica. A terraplenagem intelectual seria épica.)

— Não é exagero, não é drama. Todo mundo sabe que sou muito pragmática, mas levei muitos sustos vendo os documentos — esclareceu a ex-ministra. — Não é uma questão de ineficiência ou incompetência [do governo Bolsonaro]. Houve uma decisão política de destruir.

Alegrou-se, porém, com a solidariedade encontrada junto ao corpo técnico do ministério e de outras 200 instituições que forneceram dados e foram ouvidos pelo grupo. Nunca vira tamanha força da sociedade civil:

— Vieram de forma colaborativa, engajada, produtiva. Não vieram reclamando.

Ela acredita que o Brasil dessa nova envergadura tem força para reconstruir o diálogo — até porque, “sem a força da sociedade e de vocês [a imprensa] comprometidas com a transparência e a verdade, o Brasil não fica de pé”. Em resumo:

— Não tem dinheiro para prevenção alguma. Acabou. Aliás, acabou de sair um ofício do presidente do Ibama suspendendo todas as atividades por falta de dinheiro. Acabou o licenciamento ... não tem fiscalização. Está por escrito, em ofício enviado ao secretário executivo do Meio Ambiente explicando as razões do bloqueio de todo o dinheiro disponível. Então me parece que o Ibama vai trabalhar virtualmente ... Feliz Natal para os grileiros e para os criminosos neste país do crime ambiental, porque é isso que está sendo dito.

Se todos os grupos de trabalho da transição forem tão eficazes e produtivos quanto o do meio ambiente, o governo Lula pelo menos saberá em que pântano estará pisando. E o que fazer para, mais adiante no futuro, poder proporcionar um Feliz Natal para o Brasilzão que merece.

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