Assistimos, em vídeo gravado por populares que poderiam ter tido o mesmo fim, uma cena macrabra de tortura e assassinato, típica dos DOI-CODI que o Presidente da República reivindica e sempre estimulou em sua carreira parlamentar. No registro, dois agentes do Estado não se intimidaram em tornar público suas técnicas diante de muitas pessoas. O trabalho autorizado pelas instituições brasileiras foi comprovado, por meio da nota da PRF, que alega que os policiais envolvidos “utilizaram de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo” na BR-101, em Umbaúba-SE, quando trancaram um homem neuroatípico de 38 anos num porta malas cheio de gás.
A reação, diante de cenas bárbaras como essa, é uma rápida assimilação ao fascismo, um movimento político que surgiu na Itália sob a liderança de Benito Mussolini e seguiu para Europa, com o nazismo de Hitler. Esses regimes mataram centenas de milhares de seres humanos, baseado no racismo "científico" que tem por ideologia a eliminação das diferenças étnicas. Genivaldo morreu numa câmara de gás, no estilo hitlerista. Mas a verdade é que, no Brasil, todo camburão descende de um navio negreiro.
Sua morte ocorreu em maio, mês da abolição inconclusa, que faz referência ao período da escravidão negra, que durou mais de três séculos e também torturou, matou e desumanizou, deixando como principal legado o Racismo. Inconclusa porque persistem no país a discriminação e desigualdade racial, sem nenhum tipo de reparação histórica ao povo negro. A morte de Genivaldo também ocorreu no mês da luta antimanicomial, que combate a tortura imposta aos neurodivergentes. E se a Itália viveu o fascismo, a Alemanha o nazismo. No Brasil, vivemos o Racismo há 520 anos. Tortura e morte não fazem parte apenas dos regismos nazistas e fascistas, mas da história branca e capitalista de dominação.
Certamente muitas pessoas acham exagero essa comparação. Mas eu ouso repetir que são séculos e séculos de tortura, morte e um plano de Estado que busca a eliminação do povo negro e indígena no Brasil. Um plano que tem a segurança pública como pilar de concretização.
Tal projeto atravessa inclusive as nossas fronteiras e nos conecta a todas e todos de pele não branca no mundo. Desgraçadamente, Genivaldo morreu no dia exato quando há dois anos vimos a morte George Floyd, afro-americano assassinado em Minneapolis, sufocado pela polícia. Separados por frações do tempo e território, esses dois homens são pele alvo do genocídio em curso no mundo e, infelizmente, a comunidade negra tem histórias para lembrar para cada mês do ano, sempre dos nossos mortos.
Da mesma forma, Genivaldo também morreu dois anos após uma bala rasgar o pequeno corpo de João Pedro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, estado onde a mesma PRF, junto com o BOPE, nos fez contar mais corpos essa semana, que já chegam a 25, após uma chacina na Vila Cruzeiro. O Estado genocida mata crianças, adultos e idosos.
Essa mesma eugenia racista que matou Genivaldo também segue em curso em São Paulo. A operação Caronte, na Cracolândia, move usuários de drogas, com repressão, pelas ruas da capital, prendendo ou internando compulsoriamente.
É verdade, é crescente a escalada de ódio com o atual governo, seja nacional ou estaduais, mas as polícias têm cumprido seu verdadeiro papel no genocídio nos últimos séculos, desde o Brasil colônia, em que ao passo que as cidades se tornavam “incontroláveis”, com a presença da população negra nos centros urbanos e no campo, foi imposto o controle e sufocamento da liberdade de corpos específicos, para avançar com repressão e morte.
Não há lugar para fugirmos, e longe de serem histórias coincidentes, convivemos assim com a insegurança de que nós ou os nossos sejamos os próximos.
No Brasil, fascismo é racismo e entender as causas dessas mortes é parte do caminho para construirmos saídas. Precisamos seguir mobilizados, organizando a luta em nossos territórios e nas ruas, contra o racismo e pelo bem viver. Precisamos cobrar Justiça por Genivaldo e os 25 que perdemos no Rio de Janeiro.
Em maio, duas importantes iniciativas de resistência negra aconteceram. Recentemente, o Movimento Negro Unificado (MNU) organizou seu 19º Congresso Nacional e tirou como um dos nossos objetivos a derrota do governo Bolsonaro em 2022. Isso porque sua presidência e gerência do país cria um ambiente ainda mais favorável para o Racismo e as violações de direitos humanos.
O MNU é uma importante entidade para aqueles e aquelas que tem como objetivo se organizar em coletivo para reagir a violência racial e construir avanços para derrotar o Estado Racista. Uma organização para aqueles que querem derrotar Bolsonaro, mas não só, para aqueles e aquelas que querem construir um Brasil sem Racismo. Dar fim a esse projeto de poder bolsonarista que intensifica nossa morte é um passo importante para seguir o avanço do projeto político do povo negro para o Brasil, que deve ter em suas bases a desmilitarização das polícias e a construção de um modelo de segurança pública coletivo, que preze o bem estar comunitário do povo brasileiro.
Além das mobilizações permanentes, o movimento social negro também tem atuado na esfera jurídica e institucional para culpabilizar o Estado brasileiro de genocídio. Recentemente, junto a Coalizão Negra Por Direitos, protocolamos a ADPF Pelas Vidas Negras, denunciando o genocídio à população negra brasileira no Superior Tribunal Federal.
Agora é hora de tomarmos as ruas por Justiça por Genivaldo e exigir um projeto de futuro onde vidas negras importem e possam florescer em suas máximas potencialidades e dignidades.
Desde a travessia, de muitos antes do Atlântico, nossos ancestrais nos ensinaram a confrontar o racismo e o colonialismo e mais uma vez aqui estamos até derrotá-lo.
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