terça-feira, 10 de maio de 2022

O prestígio e o papel das Forças Armadas

É grave erro usar o prestígio dessa instituição para fins incompatíveis com suas atribuições constitucionais. Militares devem estar distantes da política e de assuntos eleitorais

As Forças Armadas têm prestígio junto à população. Trata-se de um fato bem conhecido. Esse prestígio foi conquistado e é preservado, entre outras causas, pela exemplar lealdade da Marinha, do Exército e da Aeronáutica à Constituição de 1988 e aos princípios republicanos, com a estrita obediência às suas atribuições constitucionais, bem longe da política. É de justiça reconhecer: depois da redemocratização do País, as Forças Armadas entenderam o seu papel dentro da organização de um Estado Democrático de Direito. Não são guarda pretoriana, tampouco poder moderador. Destinam-se, assim o estabelece a Constituição de 1988, “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Por óbvio, é muito bom – muito saudável institucionalmente – que a população confie nas Forças Armadas. O prestígio dos militares é um bem para o País e merece ser zelosamente preservado. No entanto, deve-se advertir que há quem queira usar o prestígio das Forças Armadas para outros fins não previstos na Constituição, o que representa um perigoso desvio da função militar.

O caso mais grave é o bolsonarismo, que tenta continuamente se identificar com as Forças Armadas, identificação esta que é rigorosamente inconstitucional. As Forças Armadas não têm orientação político-partidária, e menos ainda são um grupo político. No entanto, com frequência, Jair Bolsonaro refere-se às Forças Armadas com um “nós”, como se fossem uma só coisa. Entre outros danos, expressar-se assim é descarada manobra para atrair a si a confiança que a população deposita nos militares.


Além da inconstitucionalidade, há uma notória contradição nessa atitude de Jair Bolsonaro. Ele quer os louros políticos da imagem pública das Forças Armadas, mas nunca se dispôs a cumprir o que fundamenta o prestígio da instituição militar: a disciplina, a hierarquia e a obediência à lei. Como se sabe, Jair Bolsonaro foi um mau militar.

Para piorar, nos últimos meses, Jair Bolsonaro tem tentado envolver as Forças Armadas em seus devaneios golpistas, em especial na campanha para desacreditar o sistema eleitoral brasileiro. No fim do mês passado, em ato público no Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro defendeu a contagem paralela de votos pelas Forças Armadas, o que é uma aberração institucional. Não cabe às Forças Armadas a função de revisor da votação.

A inusitada tentativa do Palácio do Planalto de envolver as Forças Armadas em assuntos eleitorais remete, por sua vez, à iniciativa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de convidar, em agosto do ano passado, o Ministério da Defesa para participar, com um representante, da Comissão Externa de Transparência da Justiça Eleitoral. O convite foi um modo de o TSE aproveitar o prestígio das Forças Armadas para fortalecer a confiança da população no sistema eleitoral, que na época estava sendo ostensivamente atacado pelo bolsonarismo. O motivo da Justiça Eleitoral era justo e necessário, mas os meios, não. Não é papel dos militares atuar nesse tipo de matéria, de natureza essencialmente civil.

O equívoco do TSE ficou ainda mais em evidência quando, meses depois, as Forças Armadas decidiram não participar de um teste público de segurança da urna eletrônica. De fato, não tinham de participar, mas a recusa desvelou a insensatez de toda a situação: as Forças Armadas estavam sendo colocadas no papel de garantidoras da lisura das eleições. Mais recentemente, soube-se que, ao longo dos últimos meses, os militares enviaram dezenas de questionamentos sobre supostos riscos das urnas, que foram devidamente respondidos pelo TSE.

Se tudo o que veio à tona corrobora o bom trabalho da Justiça Eleitoral, provendo um sistema de votação confiável, há nessa história um importante aprendizado. As Forças Armadas devem estar apenas em suas funções constitucionais. Não há motivo, por mais nobre que seja, a justificar exceções. Para o bem do País e das Forças Armadas, para que possam continuar desfrutando de seu merecido prestígio.

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