Em tempos de ataque à escola pública por defensores do ensino domiciliar, é importante olhar com atenção para novas evidências sobre o impacto positivo que ela tem no desenvolvimento infantil. Um dos mais recentes estudos a investigar essa questão foi realizado pelos pesquisadores Tiago Bartholo e Mariane Koslinski, do Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais da UFRJ, com apoio da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. Ao acompanhar diferentes gerações de alunos de pré-escolas em Sobral (CE), eles identificaram que todas as crianças – das mais ricas às mais pobres – foram prejudicadas com o fechamento das escolas na pandemia. O prejuízo, no entanto, foi muito maior entre os mais pobres.Esta é uma conclusão importante, entre outras razões, pois por vezes deixamos de fazer uma pergunta óbvia e essencial: qual seria o impacto se a opção fosse deixar as crianças estudando em casa, em vez de irem presencialmente à escola? Para responder com precisão a esta questão, precisaríamos separar aleatoriamente dois grupos de alunos com características similares, e acompanhar a evolução daqueles que estão matriculados numa escola presencial com os que estão estudando em casa. Esse desenho de pesquisa, porém, seria antiético, por manter um grupo de crianças sem acesso a um equipamento que, hoje, é consagrado no mundo todo como um direito fundamental.
Por vias completamente tortas, a pandemia permitiu que um experimento similar a esse fosse realizado. Bartholo e Koslinski já estavam conduzindo avaliações com crianças em idade pré-escolar em Sobral, antes da pandemia levar ao fechamento repentino das escolas. Como eles continuaram acompanhando novas gerações que ingressaram em tempos pandêmicos, isso permitiu que a evolução dos matriculados no presencial fosse comparada com a dos que, na mesma rede de ensino, teve que fazer aulas remotamente.
Entre crianças de mais alto nível socioeconômico, a geração que estudou remotamente na pandemia aprendeu apenas 53% em linguagem e 62% em matemática na comparação com o grupo de mesmas características pré-pandemia. Entre alunos de menor nível socioeconômico, a perda foi ainda mais brutal, pois a geração afetada pela pandemia aprendeu somente 26% em linguagem e 35% em matemática na comparação com seus pares pré-Covid. A escola, portanto, faz muita diferença para todos, mas ainda mais para aqueles mais vulneráveis.
E as perdas não foram apenas de aprendizagem. O instrumento aplicado pelos pesquisadores permitiu também verificar o desenvolvimento infantil em variáveis como a autonomia, autoconfiança, qualidade das interações sociais com outras crianças e adultos, capacidade de concentração, de comunicação, saúde mental e aptidão física e motora. Em todas essas dimensões a geração que foi privada na maior parte do tempo do convívio com seus pares e professores durante o fechamento das escolas foi bastante prejudicada.
É frustrante constatar que a educação pública brasileira ainda está longe da garantia da qualidade para todos, e que dentro dela ainda há reprodução de desigualdades. Mas esse e tantos outros estudos que têm investigado os efeitos da pandemia no ensino corroboram uma conclusão simples e fundamental: sem escolas, estaríamos em situação muito pior.
Do ponto de vista do desenvolvimento infantil, portanto, não há nada que justifique privar as crianças do convívio com seus pares e professores na escola. O homeschooling é uma pauta 100% ideológica e 0% pedagógica.
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