terça-feira, 24 de maio de 2022

'Partido Militar' faz planos até 2035

Na Crusoé, há duas semanas, mostrei como uma certa geração de generais e coronéis chegou ao poder via eleição de Jair Bolsonaro. Uma vez na política, desfrutando de ganhos pessoais e corporativos expressivos, esses militares não pretendem recuar. Na verdade, eles têm um plano de governo com horizonte de 2035.

Um documento (leia aqui) intitulado Projeto de Nação, concluído em fevereiro, passou a circular hoje nos grupos de WhatsApp bolsonaristas. São 93 páginas organizadas em 37 capítulos, reunidos em torno de 7 eixos temáticos: geopolítica mundial; governança nacional; desenvolvimento nacional; ciência, tecnologia e educação; saúde, e segurança e defesa nacional.

O texto foi elaborado em parceria entre o Instituto General Villas Bôas, o Instituto Federalista e a Consultoria Sagres, Política e Grstão Estratégica Aplicadas


Alguns trechos repetem argumentos da campanha de Bolsonaro em 2018, defendendo o liberalismo econômico associado ao conservadorismo na pauta de costumes. Também há espaço para teorias conspiratórias e projeções ingênuas sobre a realidade brasileira daqui a uma década.

Um dos capítulos elege o “globalismo” como grande mal a ser enfrentado, por se caracterizar como um “movimento internacionalista, cujo objetivo é massificar a humanidade, progressivamente, para dominá-la”.

No centro desse movimento estaria “a Elite Financeira Mundial, ator não estatal constituído por megainvestidores, bancos transnacionais e outros entes megacapitalistas, com extraordinários recursos financeiros e econômicos”. Tal elite financiaria “lideranças nacionais, não importando as ideologias que professem”, sem dar exemplos.

Em outro capítulo, o documento fala em “evolução da coesão nacional, do civismo e do sentimento coletivo de Pátria até 2035, com reflexos para a estabilidade político-social e a projeção internacional do Brasil”.

Projeta uma realidade em que o “sucesso do modelo econômico liberal, com responsabilidade social, acrescido de estratégias exitosas nos setores de ensino, na formação de líderes e em movimentos sociais enfraqueceram o poder e a penetração das ideologias radicais na sociedade”.

Nesse cenário utópico, “prevaleceu o tradicional perfil psicossocial da Nação, conservador evolucionista e não imobilista”, com “revigoramento do patriotismo, do civismo e de valores morais tradicionais, em contraposição a valores sociais, muitos deles contaminados pelas ideologias radicais”.

Segundo o projeto, é preciso urgentemente “revitalizar os valores morais, éticos e cívicos na sociedade como um todo, particularmente no Sistema de Ensino”.

Em relação à economia, o Projeto de Nação fala sobre o atual cenário pós-covid, ressaltando a perda de milhares de vidas, empregos, queda do PIB e reflexos na matriz econômica brasileira. Não há um diagnóstico preciso sobre as causas dos problemas, nem projeção objetiva de suas soluções. Ou mesmo de medidas preventivas para o caso de novas pandemias.

Apenas repete platitudes sobre “ampliar a liberdade econômica e induzir a geração de emprego e renda, propiciando atração de investimentos, em especial para o setor industrial com foco em produtos manufaturados e semimanufaturados”. Também destaca a atuação do agronegócio, com a defesa da ampliação e diversificação da “participação do Brasil no mercado mundial de alimentos”.

Segundo o documento, é preciso “alcançar autonomia na produção de insumos, defensivos e sementes agrícolas, a fim de garantir segurança alimentar e protagonismo do Brasil na área do Agronegócio”. Não há nenhuma menção a como chegar lá. Também não há referência à agricultura familiar.

Novamente, numa projeção simplista, diz que, “em 2035”, observaremos uma “mudança da matriz do PIB de 2021, com predominância ainda em Comércio e Serviços, mas com maior participação também da Indústria de produtos semimanufaturados e manufaturados, com destaque para o crescimento exponencial da Agropecuária (em parte inserida na indústria)”.

O documento coloca como objetivo de longo prazo incluir o Brasil entre os 50 países mais competitivos do mundo, mas peca em não oferecer caminhos claros para isso.

Fala da necessidade de se elaborar uma “estratégia de ampliação do aproveitamento de energias renováveis”, mas não cita a atual problemática dos preços dos combustíveis e nem aborda de forma concreta os meios para garantir segurança energética. Por fim, preocupa-se com a necessidade de se reduzir “nomeações calcadas em interesses político-partidários para cargos de direção do Ministério de Minas e Energia e de suas Secretarias Finalísticas“.

Pelo visto, o único projeto concreto dos militares é permanecer no poder.

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