quarta-feira, 20 de outubro de 2021

A tragédia se impôs

Quando a CPI da Covid começou, avaliei que ela seria capaz de produzir um relatório forte, mas não o impeachment de Bolsonaro. No plano objetivo, não há o que mudar na análise, mas, no subjetivo, vejo-me obrigado a morder a língua. A comissão se saiu bem melhor do que eu esperava.

Não é que eu tenha recobrado a fé em CPIs. Continuo achando que elas não são bons instrumentos de investigação. Fora uns poucos parlamentares, em geral com experiência como delegados ou promotores, os membros dessas comissões não sabem instruir um processo nem estão muito interessados nisso. Sua prioridade é criar fatos políticos e produzir imagens em que apareçam bem, para usá-las na próxima campanha eleitoral.


Politicamente, o mais frequente é que os núcleos oposicionista e governista mantenham certa paridade de armas, o que garante que as comissões não avancem muito (se vocês investigarem nossos amigos, nós investigaremos os seus).

A CPI da Covid fugiu a esse roteiro, antes de mais nada, porque o governo, em suas múltiplas incompetências, não foi capaz de articular-se com os partidos que o apoiam para que indicassem membros alinhados ao Planalto. A comissão acabou ficando com uma composição pouco sensível aos interesses do governo, o que lhe permitiu agir com independência.

O ingrediente mais importante, porém, foi a magnitude do desastre. A Covid matou mais de 600 mil brasileiros, ou 286 de cada 100.000 habitantes. Só epidemias e guerras produzem morticínios desse calibre. E uma parte desses óbitos era evitável.

Essa é uma história que não havia como ignorar, e a CPI foi o único canal institucional pelo qual ela pôde ser contada, já que a Câmara e a PGR optaram por não se mexer. Sem a CPI, não se teria consolidado na população a percepção de que o governo federal fracassou miseravelmente em sua missão de enfrentar a pandemia —o que basta para garantir-lhe um lugar na história.

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