quarta-feira, 20 de outubro de 2021

A cloroquina que ameaça a CPI

Os senadores da CPI trabalharam direito. Mostraram as conexões do charlatanismo com a picaretagem e a má administração da Saúde numa pandemia que já matou mais de 600 mil pessoas. Num país onde o presidente da República falou na “gripezinha” e reclamou dos “maricas” que se protegiam contra o vírus, isso é muita coisa.

Na reta final, como se tivesse tomado cloroquina, a CPI foi vitimada pelos efeitos colaterais provocados pelo teatro que lhe deu fama.

Uma coisa foram as investigações, em cuja retaguarda trabalhou uma infantaria competente. Outra foi o espetáculo que mostrava ao vivo e em cores charlatães, picaretas e profissionais de saúde honestos. Ele produziu também momentos de policialismo e teatro. Mesmo assim, encurralou a retórica do negacionismo do governo, do ministro-general Pazuello e de seu sucessor, o coronel Queiroga, da cepa dos senhores de engenho. Quando ele mostrou o dedo, não foi apenas mal-educado. Acima de tudo, informou que, ao presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, não restava outra forma de expressão.


Um relatório com mais de mil páginas resultará em manchetes. Depois cairá na vida real do Judiciário. Denunciar Bolsonaro como genocida poderá ser um grito de revolta. Passarão os meses e, com toda a probabilidade, nenhum tribunal aceitará essa tipificação. Fica-se então numa situação em que ele parecerá ter sido exonerado, quando o próprio trabalho da CPI terá mostrado que foi incompetente, mistificador e negacionista. O polivalente general Luiz Eduardo Ramos chegou a pedir à imprensa que não mostrasse tantos sepultamentos. Basta.

Noves fora as picaretagens em torno das vacinas, da cloroquina, da Prevent Senior e da Hapvida, Bolsonaro foi acometido pela síndrome que contaminou o bunker de Hitler entre abril e maio de 1945. Com os russos nos subúrbios da cidade, os maganos do Reich brigavam entre si e cultivavam fórmulas milagrosas para sair da encrenca em que haviam se metido. Só não admitiam a rendição incondicional exigida pelos Aliados. No palácio do capitão, acreditou-se em poções mágicas e em imunidade de rebanho. Só não se acreditou na letalidade do vírus.

A busca dos estrondos poderá envenenar as conclusões da CPI. Mais valerá uma denúncia baseada em fatos apurados do que uma acusação que se desmanchará no ar. Os senadores tiveram nas mãos o óbvio ululante, que, por ululante, pode parecer pouco. Todo mundo tem direito a 15 minutos de fama. A CPI deu a seus integrantes 15 semanas, e todo mundo ganhou com isso. Não há motivo para exagerar.

Nos últimos 120 anos, o Brasil, além da pandemia da Gripe Espanhola, penou em duas grandes epidemias, a da febre amarela, em 1903, e a da meningite, em 1974. Em ambas, apareceram charlatães da marquetagem, mas em nenhuma das duas a Presidência foi contaminada pelo negacionismo. Rodrigues Alves, o presidente à época da Revolta da Vacina, mandou atirar contra a tropa rebelada que marchava em direção ao palácio e acabou com a crise. Andou-se para trás. Talvez para o tempo do Império, quando o poderoso Bernardo Pereira de Vasconcelos foi para a tribuna do Senado para reclamar que se exageravam os efeitos da epidemia de febre amarela. Seis dias depois, morreu, de febre amarela.

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