sexta-feira, 8 de outubro de 2021

A onda anticorrupção se foi e nada deixou

O forte sentimento de repulsa à corrupção foi central na crise que irrompeu em 2013 e desembocou na eleição de Bolsonaro daí a cinco anos. Cabe agora perguntar se terá algum papel nas urnas de 2022.

Décadas atrás, o pensador americano Theodore Lowi observou que o tema decerto tinha menos a ver com a presumível multiplicação das falcatruas —coisa difícil de medir— do que com a sua serventia como arma política em disputas acirradas. Argumentou ainda que, nessa condição, por não exprimir um compromisso permanente de partidos ou líderes, mais parecia uma sequência de ondas fadadas a perder força depois de arrebentar.


No Brasil, a bandeira anticorrupção foi quase sempre empunhada pela direita. Carlos Lacerda e a UDN (União Democrática Nacional) contra Getúlio Vargas nos anos 1950; Jânio Quadros com sua vassourinha contra a "bandalheira", na campanha de 1960; os golpistas de 1964 contra João Goulart; Fernando Collor contra os "marajás" em 1989. A exceção foi o PT quando, nos anos 1990, ensaiou substituir o discurso classista pela defesa da moralidade política, ensejando o apelido "UDN de macacão".

Mais uma vez, a retórica da luta contra a corrupção, ingrediente essencial do impeachment de Dilma Rousseff e da vitória de Bolsonaro, perdeu vigor. A mais clara evidência disso foi o destino de Sergio Moro, herói e algoz da Operação Lava Jato, ao colocá-la a serviço do populismo de extrema direita. Pesquisa do Ipesp mostra que, entre janeiro de 2020 e agosto de 2021, o ex-juiz perdeu 50% das intenções de voto para a Presidência da República. Nenhum dos outros possíveis presidenciáveis dá prioridade ao enfrentamento da corrupção. A onda passou, sem deixar legado institucional algum.

Fora da agenda dos partidos e dos candidatos, a certeza de que política e corrupção são unha e carne é disseminada entre os brasileiros. Reforça a percepção de que a economia funciona em benefício dos mais ricos e de que os políticos não ligam para o povo, alimentando a esperança numa solução personificada em um líder forte.

Esse é um dos achados do estudo da Ipsos Global Advisor intitulado "O Sentimento do Sistema Roto 2021" —que abrangeu 25 países. Colômbia, Brasil e Peru se destacam entre aqueles onde a corrupção percebida se enlaça fortemente com a sensação de que o sistema político se rompeu e não funciona para os cidadãos.

Enquanto assim for, o populismo de direita poderá ser vencido nas urnas --o que provavelmente acontecerá em 2022--, mas as suas raízes continuarão fortes na sociedade descrente. Cedo ou tarde, tornará a envenenar a vida política brasileira.

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