segunda-feira, 6 de setembro de 2021

O dia seguinte

Milhares devem ir às ruas na terça-feira em atos cuja ambiguidade dos mobilizadores impede qualquer previsão. Podem dar eco à beligerância do presidente Jair Bolsonaro, acabar em invasão do STF e do Congresso, com quebra-quebra e violência. Ou simplesmente se limitarem a louvar o “mito”. Fora a ficcional hipótese de golpe – com tanques e fuzis –, o dia seguinte será uma quarta-feira como outra qualquer. Talvez de cinzas para o presidente.

Bolsonaro deu caráter de “ultimato” às manifestações, endereçando a ameaça aos desafetos-mor do STF, ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Por óbvio, não traduziu o significado da bravata. Como os ministros não vão sucumbir ao presidente, Bolsonaro colherá aqui a primeira derrota. Há muitas outras.


Durante a preparação dos atos, a base bolsonarista rachou. Parcela significativa dos caminhoneiros, fiéis desde a greve de 2018, sentiu-se usada. Gente graúda do agronegócio não só se afastou do governo como abriu um flanco oposicionista. Empresários de porte romperam a zona de conforto e até se digladiaram, caso da Febraban frente ao recuo da Fiesp em divulgar o manifesto pró-harmonia entre os Três Poderes, e da Associação Comercial de Minas diante da postura bolsonarista da Fiemg.

A rinha com o STF provocada pelo presidente também desagradou parlamentares. Neoaliados do Centrão preferiram distância estratégica dos atos da terça-feira e só bolsonaristas de carteirinha ativaram as suas redes em favor das manifestações.

Até entre evangélicos a corda roeu. Algumas igrejas pentecostais tidas como aliadas reclamaram abertamente da primazia do pastor Silas Malafaia sobre todas as coisas. Nas redes, começaram a surgir mensagens questionando o espírito cristão de quem prega fuzis para todos e a guerra como instrumento de paz, discurso semelhante ao da Igreja Católica, expresso pela CNBB.

Os danos para o presidente e suas hostes não param aí. Há ainda investigações em curso sobre o financiamento das manifestações, seja para pagar as caravanas – ônibus, infraestrutura e alimentação –, seja em publicidade. Alguns casos, com equipamentos e dinheiro públicos.

Esgarçou-se também o tecido ideológico que mantinha a turba unida. Na coordenação, enquanto muitos apelam à moderação, com o mote de “liberdade”, outros tantos preferem o confronto e a lacração do Supremo. Não há saída: se o presidente decidir por uma raríssima e quase inacreditável compostura nos palanques de Brasília e São Paulo, vai decepcionar muitos; se for o incendiário de sempre, será responsabilizado pelas consequências.

Mais: os preparativos para os atos, com as toadas desafinadas de Sérgio Reis, reações exacerbadas do presidente, frases de efeito e ameaças sem fim, conseguiram ocupar a mídia, deixando em segundo plano o que realmente aflige Bolsonaro. No dia 8, a CPI da Pandemia no Senado reassume seu protagonismo. Os processos contra o presidente no STF, os filhos enrolados com as rachadinhas, o ex-funcionário de confiança e a ex-mulher-bomba ganharão mais espaço. Pelo menos até que ele invente outra moda, o que seguramente acontecerá.

Os atos da terça também não têm o condão, por mais que Bolsonaro queira, de escamotear as crises reais do país. A pandemia vai somar mortos aos mais de 580 mil, o desemprego e a inflação continuarão em alta, a miséria não cederá.

O único fator a favor do presidente é a coleta de imagens das multidões, espertamente concentradas em dois polos, Praça dos Três Poderes e Avenida Paulista. Elas servirão para alimentar as redes sociais e, claro, a campanha eleitoral. Em São Paulo, onde por segurança os drones foram proibidos, alugou-se um helicóptero para garantir as melhores cenas. Sabe-se lá custeado por quem.

Isolado, e deprimido pela popularidade em queda, Bolsonaro pretende exibir “apoio do povo” contra os mais de 60% que o rejeitam. Primeiro, vai confrontar as pesquisas com imagens do 7 de Setembro. Depois, diante do fracasso anunciado em 2022, usará esses registros para “denunciar” fraudes eleitorais promovidas no “quarto escuro do TSE”. Tudo parte do script de um derrotado, mas que não cairá sem provocar tumulto e caos.

Bolsonaro diz ter três alternativas: “estar preso, estar morto ou a vitória”. O Brasil só tem duas: impedi-lo já – o que seria mais conveniente para a sanidade do país – ou derrotá-lo fragorosamente nas urnas.
Mary Zaidan

Nenhum comentário:

Postar um comentário