segunda-feira, 19 de julho de 2021

Saqueadores na pandemia

De novo na estrada. Depois de quase um ano e meio de quarentena, sinto-me como um jogador que se ausentou longamente dos campos: um pouco fora de forma.

A grande diferença agora é que não posso acompanhar as notícias no seu fluxo. É preciso esperar o fim do dia de trabalho para saber o que está acontecendo. É de estarrecer.

Ao fim da primeira jornada, descobri que os deputados votaram um fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões em plena pandemia.

No momento em que nos debatemos com um governo que, pela incompetência, e possivelmente corrupção, cuidou muito mal do povo brasileiro, contribuindo para milhares de mortes, surgem os deputados saqueando os cofres públicos.


Para onde quer que olhemos, o panorama é desolador. Felizmente, foi apresentada a emenda constitucional que barra a presença de militares da ativa no governo. Cinco ex-ministros da Defesa se manifestaram a favor da ideia.

Os deputados parecem sentir a fragilidade de Bolsonaro e resolveram aprofundar a exploração das pessoas que trabalham. No passado, as eleições foram contaminadas pela relação com empresários que compravam candidatos. A ideia de um fundo eleitoral era destinada a corrigir isso, com eleições modestas e debate de programas, sobretudo agora com novas plataformas.

Parece que resolveram virar as costas para nós. Quando menciono a fragilidade de Bolsonaro, não quero me referir a sua doença, que deve ser curada nos próximos dias. A fragilidade é determinada pela existência de mais de uma centena de pedidos de impeachment. O preço que ele paga é alto e, naturalmente, a fatura deve ser distribuída por toda a sociedade.

Seria interessante lembrar os idos de 2013. As pessoas saíram às ruas e protestaram com vigor. Foi uma advertência ao próprio processo de redemocratização, que as subestimou precisamente porque os líderes estavam mais preocupados em financiar suas campanhas.

Foi no curso desse declínio de legitimidade que surgiu Bolsonaro, de forma oportunística, desafiando o que ele chamava de todo o sistema. Hoje sabemos bem que Bolsonaro não participava do grande esquema de corrupção porque criou o seu, artesanal e familiar, materializado nas rachadinhas.

No interior do Brasil, por onde ando, não há grandes manifestações. Parece que esperam pelas metrópoles, onde há mais facilidade em mobilizar e todo o aparato de divulgação está concentrado.

Isso não significa, entretanto, que as pessoas não estejam atentas a todos os golpes como esse do fundo eleitoral e a todas as desastradas atitudes de Bolsonaro, cujo prestígio se derrete.

Não creio que o processo de 2013 se repita, nos mesmos termos, como aliás nada se repete exatamente na História. Se a degradação do sistema político possibilitou a aventura de Bolsonaro e sua extrema-direita, o que mais pode acontecer se o sistema continua a se degradar?

Tenho pensado muito nas condições que possam neutralizar a extrema-direita no Brasil, para que nunca mais volte ao poder, depois de tantas mortes e tanta devastação ambiental.

Chegamos a uma situação, segundo um recente estudo, em que a Amazônia hoje emite mais gás carbônico do que retém em suas matas. A longo prazo, estão contribuindo para inviabilizar a própria humanidade.

E, no curto prazo, estão inviabilizando o que ainda podemos chamar de civilização brasileira. Bolsonaro, desmatadores, incendiários, deputados vorazes — todos parecem unidos na tarefa de devastar a esperança de construir um país decente.

O autointitulado salvador da pátria já foi para o espaço e não volta em 22. Mas o sistema político continua de costas para a sociedade.

Sem perceber essa armadilha, sem reformar o sistema político, estaremos condenados a uma sucessão de nostalgias a que chamamos generosamente de futuro. Mas, na verdade, serão apenas simulacros cavando abismos entre representantes e a sociedade.

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