Pazuello tratou da possibilidade de compra de 30 milhões de doses de CoronaVac sem envolvimento do Instituto Butantan, mesmo sabendo que o governo federal tinha um acordo com o laboratório do governo paulista para o fornecimento de até 100 milhões de unidades da vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac. O vídeo obtido pela CPI da Covid foi gravado em 11 de março. Nele, Pazuello explica que o grupo fora tratar da possibilidade de adquirir as vacinas “numa compra direta com o governo chinês”.
Os intermediadores da compra representariam a empresa World Brands Distribuidora, com sede em Itajaí (SC). Pazuello teria recebido a comitiva fora da agenda oficial. Ofereceram 30 milhões de doses por US$ 28 cada uma, com depósito de metade do valor total até 2 dias depois da assinatura do contrato. Ao Butantan, o Ministério da Saúde pagou US$ 10 por dose, quase 2/3 a menos que a suposta oferta feita pelos empresários em março. Ao depor na CPI da Covid, em 20 de maio, Pazuello disse que não participava de negociações com empresas.
O ex-ministro da Saúde faz parte de um grupo de militares que se formou no Comando Militar do Leste, com sede no Rio de Janeiro, à época sob comando do ex-ministro da Defesa Fernando de Azevedo e Silva, demitido do cargo por divergir da politização e manipulação das Forças Armadas por Bolsonaro. Seu chefe de estado-maior era o atual ministro da Defesa, general Braga Netto, que foi interventor na segurança do Rio de Janeiro no governo Michel Temer e manteve absoluto sigilo sobre as investigações que apontaram o envolvimento das milícias com o assassinato da vereadora Marielle Franco, cuja revelação po- deria atrapalhar a eleição de Bolsonaro. O comandante da Vila Militar, a maior unidade do Exército, era o atual secretário-geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos. Pazuello comandava a Brigada de Paraquedistas. Hoje, o grupo manda no Palácio do Planalto, na Esplanada dos Ministérios e nas Forças Armadas, como uma espécie de guarda pretoriana de Bolsonaro
Premido pela necessidade de quadros e visando seus propósitos autoritários, Bolsonaro formou um governo de viés bonapartista, com grande número de militares. Hoje, estima-se que sejam em torno de 6,2 mil oficiais nos altos escalões, ocupando funções civis, segundo a pesquisa Militarização da Administração Pública no Brasil: Projeto de Nação ou Projeto de Poder?, de William Nozaki, do Fórum Nacional das Carreiras Públicas de Estado (Fonacate). Como muitos são da ativa, como Pazuello, por exemplo, isso subverte a hierarquia militar e ameaça a democracia, ao envolver as Forças Armadas diretamente na política. Sem falar no desgaste de imagem causado pelo envolvimento de alguns elementos em negócios suspeitos e outras não-conformidades.
Alguém já disse que os homens fazem sua própria história, mas não como querem; não escolhem as circunstâncias, elas lhe foram legadas. Militares são patriotas com aptidões que podem ser muito úteis nas atividades civis, mas não têm a competência dos técnicos e gestores públicos de carreira, formados nos centros de excelência da administração direta e indireta, que são tão patriotas quanto. Afora isso, são pessoas como outras quaisquer, cuja integridade e honradez independem das suas patentes e que podem, sim, na reserva, prestar grande colaboração à administração pública, nas funções para as quais têm formação compatível.
Entretanto, são neófitos ou refratários à política propriamente dita, que não está apenas nas esferas de decisão do governo, mas em todo lugar. É aí que a panelinha de militares que hoje manda e desmanda no país está perdendo a batalha para os senadores da CPI da Covid, que formam um grupo heterogêneo, mas sintonizado com a opinião pública e a maioria da sociedade. A República democrática é um regime de partidos políticos, representativo da sociedade, formado por políticos por vocação; a tutela militar sobre a República é a gênese do autoritarismo corporativista, um regime de casta, incompatível com a Constituição de 1988 e que leva ao fascismo.
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