segunda-feira, 19 de julho de 2021

Além da corrupção, o roubo oficial

Pode ser pixulé, propina, comissionamento ou até recursos não contabilizados, como dizia Delúbio Soares, tesoureiro do PT pego pelo mensalão. O apelido não importa. As tenebrosas transações do Ministério da Saúde para compra de vacinas superfaturadas têm um só nome: corrupção. A ela somam-se criativas fórmulas de ladroagem, o roubo oficial, prática cada vez mais corriqueira no governo do presidente Jair Bolsonaro.

Foi-se o tempo em que Bolsonaro garantia não existir corrupção em seu governo, e das juras de combatê-la. Nada fez. Ao contrário, desmontou ciosamente o aparato que auxiliava na corrida contra o crime, em nome do seu clã, embolado nas rachadinhas, e de aliados que se metem em “rolos”.

Bolsonaro, que usou e abusou da ojeriza popular à corrupção – que ele vendia como sendo produto exclusivo do PT -, sabe o peso que a prática carrega na cabeça do eleitor. Mas cada vez fica mais difícil arrumar versões – já foram quatro até aqui, todas esfarrapadas – para escapar das acusações que pesam sobre ele e os militares de seu círculo de poder, incluindo o ex-ministro e dileto amigo Eduardo Pazuello, general da ativa.


Pazuello, que de titular da Saúde passou a sentar-se ao lado direito do presidente no Planalto, foi exibido ao país em vídeo negociando com um misterioso John a CoronaVac que Bolsonaro o proibiu de comprar porque a vacina tinha como origem a China e, claro, o governo de João Doria. Uma cena patética em que o ex-ministro e o vendedor, mascarados como manda o protocolo odiado por Bolsonaro, trocam gentilezas, falam de “portas abertas” para “vacinas futuras”. Só faltou dizer “mesmo que tenham preço quase três vezes maior” do que as doses do Butantan, representante oficial da chinesa Sinovac no Brasil. Em espantoso descaramento, agora Pazuello nega tudo. Quer convencer que ninguém viu o que viu.

Afanar dinheiro público na compra de vacinas contra um vírus que já matou mais de 540 mil brasileiros é mais do que abominável, é cruel, assassino. Mas o Brasil convive com corrupção há tanto tempo que se chega ao cúmulo de comparar valores de um roubo e outro para favorecer quem garfou menos, versão corrente de governistas fiéis para tentar blindar Bolsonaro.

O mensalão, envolvendo praticamente a mesma turma que hoje apoia Bolsonaro, foi menor do que o milionário petrolão. O escândalo PC Farias, que detonou o ex-presidente Collor de Mello, seria muito menos grave do que a dinheirama do Banestado. A máfia dos sanguessugas, que em 2006 lucrou com ambulâncias, teria roubado menos do que os anões do orçamento. E por aí vai.

Parte da desfaçatez de medir corrupção pela contabilidade do surrupio se escora na frequência da roubalheira e na quantidade apurada, confundindo o freguês. Os 6 milhões de reais de Collor viraram pó perto dos 30 milhões do Banestado, dos 105 milhões do mensalão ou 48 bilhões do petrolão. Pior: a maioria dos criminosos está livre, leve e solta, beneficiada por recursos infindos e prescrição. Prende-se com estardalhaço, solta-se por tecnicismos.

Lula, condenado pela Lava-jato, foi solto não por inocência, mas por um entendimento tardio do STF de que o foro de suas ações não seria Curitiba e sim Brasília (por que não São Paulo?), e por suspeição do juiz Sérgio Moro, que havia tido suas sentenças sobre o ex confirmadas em instâncias superiores por 11 vezes, incluindo o próprio Supremo. Delúbio é outro exemplo: acaba de ter seus processos encerrados por prescrição.

Como se não bastasse, o país convive com o “roubo por dentro”, absurdos legalizados que sugam o dinheiro dos contribuintes, tal como a portaria de Bolsonaro que autoriza o fura-teto salarial para militares aposentados que prestam serviço ao governo e para outras natas do funcionalismo público federal.

No Congresso, o pagador de impostos é extorquido de outras formas. Na compra escancarada de apoio de parlamentares feita pelo presidente para impedir um processo de impeachment, materializada nas dádivas do orçamento secreto – essa peça de legalidade para lá de duvidosa mas que está pronta para se repetir -, e com a mais aviltante das excrescências: 5,7 bilhões aprovados para o fundo eleitoral de 2022. Outro roubo oficial.

À corrupção adita-se o assalto que vira lei.

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