Jair Bolsonaro era um presidente recente. Embora nunca tivéssemos, nem de longe, pensado em votar nele, ainda não tínhamos descoberto, direitinho e por completo, seu caráter indecoroso e enganador. Ou o estávamos descobrindo, mas faltava completar o desenho de um caráter que iria se revelar de corpo inteiro, sobretudo na pandemia (um genocídio de quase 600 mil cidadãs e cidadãos). Não tínhamos tido um candidato que nos ajudasse a retomar um rumo que Dilma havia interrompido. Fernando Haddad parecia um cara correto, um bom sujeito capaz de fazer uma boa administração do país. Mas desprovido de sonhos e da audácia de que tanto precisávamos para recolocar o Brasil na trilha da poesia.
Desde a faculdade, na agitação do movimento estudantil, sabíamos que Brasília, por exemplo, era uma porra-louquice responsável pela inflação que maltratava a população. Mas não podíamos evitar um friozinho na barriga, um arrepio na nuca cada vez que via a imagem de um daqueles monumentos, belos edifícios e palácios modernos, gloriosamente esculpidos no deserto pelo maior artista plástico de todos os tempos, o criador sem freios Oscar Niemeyer.
Cada um de nós, mesmo que não o declarasse, desejava estar à altura daquela grandeza. O novo Brasil, mesmo que não gostássemos da política socioeconômica vigente, fosse ela qual fosse, tinha que ser construído à semelhança do que tudo aquilo significava. Era aquele destemor, era aquela força de vontade, era aquela a louca mania que nos atraía para a aventura de mudar o mundo. Mudando-o certamente na direção de nosso próprio rumo. O Brasil estava condenado a propor à civilização humana um jeito de viver que nada tinha a ver com a medíocre dualidade da Guerra Fria. A nossa revolução vinha ao mundo com um sorriso de tudo; e muita certeza e confiança visíveis no coração.
Era esse o nosso instrumento de criação. Na arquitetura, como na poesia, na música, na literatura, na pintura, no teatro, no cinema que começávamos a inventar. Na política e nas nossas lições práticas de política, estávamos reproduzindo, em outro espaço, um momento especial na história do país — na passagem do século XVII para o XVIII, uma geração colonial delirante, sem lideranças evidentes, garantia, com sua coragem e sua imaginação, grande parte da vastidão de nossos 8,5 milhões de km², até hoje uma raridade no mundo.
Por falta de ousadia e confiança na democracia, o Brasil está hoje deixando corromper-se a teia de valores que o diferenciava de tantos povos melancólicos pelo mundo afora. Está aceitando a melancolia como fatalidade, com o argumento ignorante de que a Humanidade é assim mesmo. Prefiro voltar a ser como quando a gente preferia agir em vez de assistir (em geral, com muita lamentação). Mesmo que às vezes não nos entendessem, não tínhamos vergonha de não nos sentirmos obrigados a ser o que queriam que fôssemos. É contra essa rendição que temos que nos bater, fazer política diante da Ancine e do que for.
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