A mulher não queria trocar de lugar por uma questão de comodidade; queria trocar de lugar para ficar mais longe do marido. Haviam começado a discutir ainda antes do avião levantar voo. Os dois se odiavam com o ódio formidável de quem já trocou juras de amor eterno. É uma ingenuidade, na qual tropeço o tempo todo, acreditar que o ódio resulta da ignorância mútua. O verdadeiro ódio exige anos de amor e de profunda intimidade.
A troca de lugar não serviu de muito. Decorridos três minutos, o homem debruçou-se sobre mim, como se eu não fosse uma pessoa, mas um estorvo:
— Está sentindo minha falta? — perguntou à mulher. Ela enfiou o rosto na revista de bordo, fingindo-se surda.
— Pode ficar calada — disse o homem. — Meu silêncio é melhor que o seu.
Calaram-se, ambos, por mais três minutos. Então, foi a vez de a mulher se debruçar sobre mim — o estorvo —, e disparar na direção do marido:
— Você me faz mal, me envelhece, me faz uma pessoa amarga e pessimista. Você me tira toda a luz.
— É mútuo — disse o homem, levando a mão direita à cabeça. — Está vendo esses cabelos brancos? É por sua causa. Além desta dor nas costas, que me está matando. Antes de você aparecer eu nunca tinha tido dores nas costas…
— Antes, você era jovem — zombou a mulher.
Coloquei os fones nos ouvidos. Escolhi um álbum do percussionista nigeriano Babatunde Olatunji. Mesmo assim, continuei a ouvir, ainda que abafada pela intensa batucada de Babatunde, a rouca troca de queixas do casal. Também a mim já me doíam as costas. Pedi licença à mulher e saí para o corredor. Caminhei até a cauda do avião. Um sujeito gordo cortou-me o caminho. Disse que se lembrava muito bem de mim. Estudáramos juntos numa escola em Londres. Nunca estudei em Londres. Ele, todavia, assegurou-me que sim, contando histórias divertidas daquela época. Quando, finalmente, regressei à minha fila, a mulher reocupara o lugar original. Uma outra senhora, cansada da discussão, decidira intervir:
— Porque não se separam? — perguntou, num tom de voz glacial.
— Porque não se separam? — perguntou, num tom de voz glacial.
O casal não se mostrou ofendido com a pergunta. “Por vezes, o ódio é o amor possível”, retorquiu o homem, muito sério. “Por vezes, só o ódio sustenta um casamento.”
Horas depois, o comandante anunciou a chegada, no horário previsto, pedindo aos passageiros para apertarem os cintos. Por essa altura já a mulher adormecera, com a cabeça encostada ao ombro do marido. Eram a imagem perfeita de um casal feliz.
José Eduardo Agualusa
José Eduardo Agualusa
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