“Fomos capazes de evitar (a fome) em 2020 porque os líderes mundiais responderam com dinheiro, pacotes de estímulo e diferimento de dívidas”, começa por explicar David Beasley, líder do Programa Alimentar Mundial (PAM) da ONU, em entrevista à agência Associated Press. Avisa, no entanto, que a missão de atenuar a fome e desnutrição em 2021 será muito mais difícil, já que a Covid-19 está a crescer e o impacto económico vai ser devastador.
Galardoado recentemente com o Nobel da Paz, Beasley tem utilizado o prémio atribuído ao PAM para ganhar mais peso nas conversações com líderes políticos e para enviar “uma mensagem ao mundo de que está a piorar lá fora”. Em abril, alertava o Conselho de Segurança da ONU de que a pandemia ia trazer consigo um efeito pior: “uma pandemia de fome” que iria conduzir o mundo para “múltiplas fomes de proporções bíblicas” em alguns meses.
Agora, com 2020 a chegar ao fim, o líder do PAM mantém a posição, mas com os olhos postos no próximo ano: “O nosso trabalho mais árduo ainda está por vir”. Garante que se tem encontrado com chefes de Estado virtual e presencialmente para reunir esforços, mas “o dinheiro que estava disponível em 2020 não estará disponível em 2021”, já que a economia está a cair em todos os países, incluindo nos mais ricos.
“Agora, precisamos de nos concentrar nos icebergs e os icebergs são a fome, a desestabilização e a migração”, diz. Segundo o Relatório Global de Crises Alimentares, assinado pelo PAM em 2019, os dez países com o maior número de pessoas a passar por uma crise alimentar são, por ordem crescente, Haiti, norte da Nigéria, Sudão, Síria, Sudão do Sul, Etiópia, Venezuela, Afeganistão, República Democrática do Congo e Iémen.
À mesma agência noticiosa, Beasley afirma que, em 2021, o Programa Alimentar Mundial necessita de cerca de 15 mil milhões de dólares, que se dividem em duas vertentes. Num primeiro momento, cinco mil milhões são canalizados “apenas para evitar a fome” e que os restantes dez mil milhões de dólares servem “para realizar os programas globais da agência”, incluindo iniciativas como o lanche escolar, “que muitas vezes são as únicas refeições que os jovens recebem”. “Se eu conseguisse isso com o nosso dinheiro normal, evitaríamos a fome em todo o mundo”, conclui.
A queda da economia fragilizou os governos e, por isso, Beasley tem uma “grande esperança” de que os bilionários que lucraram com a pandemia possam ajudar na luta contra a fome. Disse ainda que vai começar a divulgar a mensagem em dezembro ou janeiro.
A crise de Covid-19 veio agudizar os problemas de fome no mundo. Aos 135 milhões de vítimas deste flagelo, Beasley estima que a pandemia acrescente mais 130 milhões de pessoas. Segundo o líder do PAM, serão cerca de 20 os países que “provavelmente enfrentarão picos potenciais de insegurança alimentar aguda” nos próximos meses.
Iémen, Sudão do Sul e Burkina Faso estão na lista devido a conflitos armados, mas também Afeganistão, Camarões, República Centro-Africana, Congo, Etiópia, Haiti, Líbano, Mali, Moçambique, Níger, Serra Leoa, Somália, Sudão, Síria, Venezuela e Zimbábue requerem uma “atenção urgente”. Para isso, o relatório do Programa Alimentar Mundial chegou a enumerar alguns pontos para a prevenir um maior impacto socioeconómico da crise sanitária nestes e noutros países.
De acordo com o documento, é necessário “expandir sistemas de monitorização remoto de segurança alimentar quase em tempo real” de forma a partilhar informações sobre o impacto da doença “na segurança alimentar e meios de subsistência, saúde, acesso a serviços, mercados e cadeias de abastecimento, entre outros”. É preciso ainda “preservar alimentos humanitários essenciais, subsistência e assistência nutricional para grupos vulneráveis”. A juntar a isto, o programa propõe ainda aumentar o apoio ao “processamento de alimentos, transporte e mercados locais”, com o objetivo de haver sempre um funcionamento contínuo de abastecimento alimentar.
A fome e desnutrição afetam todos os continentes, com destaque para África. As pessoas no estado de Nova Iorque, nos EUA, pagam 0,6% do seu rendimento por um prato de comida. No caso do Sudão do Sul, por exemplo, um prato de comida custa, em média, 186.17% do rendimento. A comparação pode ser feita com outros países, aqui.
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